Suas ações refletem suas intenções?
“O homem virtuoso age de acordo com o que é correto, mas também o faz com prazer. Ele realiza ações virtuosas não apenas porque são corretas, mas porque a virtude está em sua própria natureza e ele sente prazer ao fazê-las.” Aristóteles, Ética a Nicômaco.
Imagine a seguinte cena: é uma tarde de sábado, e o filho adolescente está na sala de estar, argumentando à sua mãe que todos os seus amigos vão sair para uma festa e que ele também quer ir. Ele insiste que, se todos estão indo, ele também poderia ir. A mãe, com uma expressão irônica, olha para o filho e responde calmamente: “Você não é todo mundo.”
Pois bem, a partir dessa divertida história, pela qual quase todos nós já passamos, tentaremos avaliar o que e porque fazemos o que fazemos no cotidiano.
Antes da reflexão, uma nota de rodapé
Importante aqui não confundirmos com conceitos filosóficos da fenomenologia, mas uma abordagem pura e simples sobre o significado de intenção que é aquilo que uma pessoa espera que aconteça. Fica mais simples de entender – na abordagem que trago no texto – mencionando o que chamamos de “segundas intenções”, ou seja, o pensamento que uma pessoa não diz, mas que motiva as suas ações.
Intencionalidade na Prática
Um modo eficaz de avaliarmos a nossa intenção é a partir da observação sobre o que fazemos, como fazemos e porque fazemos. Na prática, podemos 1. fazer a coisa certa, por um motivo errado; 2. fazer a coisa errada, por um motivo certo; 3. fazer a coisa errada, por um motivo errado; ou 4. fazer a coisa certa, por um motivo certo. Vejamos.
1. Fazer a coisa certa, por um motivo errado
Neste cenário, a ação é correta em termos do resultado esperado, mas a motivação por trás dela é questionável. Por exemplo, uma pessoa pode realizar uma boa ação como uma forma de obter reconhecimento social, em vez de um desejo genuíno de ajudar os outros.
2. Fazer a coisa errada, por um motivo certo
Aqui, o resultado da ação é negativo, mas a intenção por trás dela é considerada boa. Por exemplo, alguém pode tentar ajudar uma pessoa usando um método inadequado que pode causar um dano, como alguém que ao se oferecer para levar as sacolas de mercado até o carro, acaba por espalhar toda a compra no chão.
3. Fazer a coisa errada, por um motivo errado
Essa é a situação em que uma pessoa pode agir de maneira prejudicial por razões egoístas ou maliciosas, por exemplo.
4. Fazer a coisa certa, por um motivo certo
A intencionalidade neste contexto reflete a harmonia entre o que fazemos e por que o fazemos, resultando em uma ação ética e eficaz. Por exemplo, você procura doar sangue (a coisa certa) com o objetivo de contribuir para o bem-estar da comunidade (motivo certo). O motivo errado seria, por exemplo, para usar dessa circunstância para a promoção pessoal.
Aristóteles e sua “Ética a Nicômaco”
Aristóteles na obra “Ética a Nicômaco”, aprofundou e trouxe conceitos mais estruturados sobre a ética e a moral. Para o filósofo, o correto não é apenas o que se faz, mas o como e por que se faz. A verdadeira virtude está em agir corretamente com as intenções e motivações adequadas, refletindo um caráter moralmente bem formado.
Aristóteles nos convida a subir mais um degrau no debate sobre a intenção, exigindo de nós fazer a coisa certa, do jeito certo e pelo motivo certo.
Para Aristóteles, a moral não se resume apenas às ações em si, mas também aos motivos e intenções por trás dessas ações. Portanto, uma ação é considerada virtuosa se é feita com a intenção certa, ou seja, com o desejo de fazer o bem e de agir de acordo com a virtude.
Por sua vez, a virtude é uma disposição do caráter que leva a pessoa a agir corretamente e com boas intenções. Portanto, fazer o certo pelo motivo certo significa ter um caráter virtuoso que guia a pessoa a agir de maneira moralmente correta.
“A excelência moral relaciona-se com prazeres e dores; é por causa do prazer que praticamos más ações, e por causa da dor que nos abstemos de ações nobres. Por isso, deveríamos ser educados de uma determinada maneira desde a juventude, como diz Platão, a fim de nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas que nos devem causar deleite ou sofrimento, pois essa é a educação certa.” Aristóteles, Ética a Nicômaco.
O filósofo nos indica que devemos ter uma relação de equilíbrio entre prazer e dor, e fazer a coisa certa pelo motivo certo nos traz coerência. Podemos, portanto, concluir que é possível buscar uma vida prazerosa e com significado a partir da busca das virtudes. Por isso, não se trata de estabelecer métodos e metas apenas para sanar a nossa carência de comparação, mas de efetivamente trabalhar para nós mesmos para uma elevação de alma, a partir de um propósito efetivo.
Deste modo, construir projetos de vida sem um propósito que realmente ajude na construção da sociedade e, sobretudo, no desenvolvimento pessoal, é como estabelecer regras tolas que só vão nos dar a sensação imediata de crescimento, que não se sustenta no longo prazo. É preciso guiar a nossa vida em busca de uma vida virtuosa.
Viver com intencionalidade
O conceito de intencionalidade revela a importância de não apenas considerar o que fazemos, mas também por que o fazemos. As sábias palavras da mãe no início do texto nos revela que não devemos nos conduzir por motivos banais, mas nos forçar a refletir sobre a integridade das nossas motivações e a adequação das nossas ações.
Enquanto fazer a coisa certa por um motivo certo representa o ideal, fazer a coisa certa por um motivo errado ou fazer a coisa errada por um motivo certo ressalta a complexidade da moralidade e a necessidade de alinhar intenções e ações de forma ética e consciente.
A intencionalidade, portanto, não apenas molda a nossa experiência e interação com o mundo, mas também serve como um guia para garantir que nossas ações sejam coerentes com nossos valores e objetivos.
Referências
Aristóteles, Ética a Nicômaco.
📷 Two Men Arguing over Cards outside a Country Inn (c. 1650) | Vincent Malò II (Flemish, 1629-?) | Imagem reprodução