Você sabe quem oprime a sua liberdade?

16 de setembro de 2024

Sim, é correto afirmar que o Filosofia Diária está em todas as plataformas online com o objetivo de recomendar às pessoas que façam uso racional da internet.

As redes sociais estão profundamente enraizadas em nosso cotidiano, proporcionando diversos benefícios, como a comunicação com entes queridos, o acesso à informação e a criação de conteúdo relevante, especialmente em iniciativas que promovem o progresso humano e social, como esse website. No entanto, não podemos negar que também podem se transformar em uma fonte considerável de distração e estresse mental, o que pode ter impactos negativos.

Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, traz boas reflexões sobre a tecnologia, mídias sociais e cultura digital. E vamos com esse texto simples, trazer reflexões e provocações filosóficas para que você possa avaliar o seu hábito nas redes sociais.

Um pouco de números

O relatório do DataReportal traz alguns dados interessantes e, na minha opinião, alarmantes. Vejamos os dados:

Na simples interpretação, constata-se que:

  • A média global de tempo nas mídias sociais é de 2h23;
  • Quênia é o país onde os usuários passam mais tempo nas redes sociais, com 3h43 minutos;
  • Completam o Top 5 de maior uso de redes sociais, nessa ordem, África do Sul, Brasil, Filipinas e Nigéria;
  • Na outra ponta, os usuários da Internet no Japão gastam em média apenas 53 minutos por dia em plataformas sociais;
  • Completam o Top 5 de menor uso de redes sociais, nessa ordem, Coréia do Sul, Holanda, Áustria e Bélgica;
  • Os europeus tendem a passar consideravelmente menos tempo nas redes sociais do que os seus pares na África e na América Latina.

Ao cruzarmos o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2023/24 divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que pode ser lido aqui, com a imagem abaixo do tempo diário de uso de mídias sociais, notamos que a população de todos os países com melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo passam tempo diário nas redes sociais abaixo da média global. Enquanto isso, o inverso também ocorre, com os países emergentes, incluindo o Brasil, com a população acima da média mundial.

É claro que o problema da pobreza não se resume ao tempo gasto nas redes sociais, mas não podemos negar os números e comparar o comportamento das pessoas nos países mais ricos e mais pobres.

Não se trata de individualizar o problema, mas será que usamos o nosso tempo de forma adequada, de acordo com nossos objetivos e propósitos pessoais?

Qual a origem do problema?

Atualmente, a maioria de nós utiliza as redes sociais através de nossos smartphones e embora essa prática facilite a comunicação, também implica na constante disponibilidade das mídias sociais, o que pode resultar em problemas que afetam a nossa capacidade de concentração além de prejudicar o sono. Em resumo, nossa capacidade de trabalho, estudo e conexão interior são prejudicadas.

Para piorar, as plataformas de redes sociais têm por objetivo capturar a sua atenção, incentivar a permanência online e estimular verificações frequentes por atualizações. Por exemplo, quando você recebe um like, um compartilhamento ou um comentário positivo em uma postagem, isso pode desencadear a liberação de dopamina no cérebro, uma substância “recompensadora” que – assim como a vitória em um jogo de azar, comer chocolate ou fumar um cigarro, pode levar ao vício, como apresentamos no texto “Será que você está viciado?”.

Em resumo, quanto mais você se expõe a esse tipo de recompensa, mais deseja passar tempo nas redes sociais, mesmo que isso prejudique outros aspectos da sua vida.

 

Os impactos sociais e psicológicos das tecnologias digitais

Byung-Chul Han nasceu na Coreia do Sul, em 1959, e estudou metalurgia na Universidade da Coreia. Sua carreira como filósofo iniciou-se nos anos 1980, quando ele foi estudar Filosofia, mas ele desenvolveu também estudos em Literatura Alemã e Teologia Católica na Universidade de Freiburg, na Alemanha. Seus livros foram traduzidos para mais de 20 idiomas.

Em sua obra “A Sociedade do Cansaço“, o autor critica os impactos sociais e psicológicos das tecnologias digitais ao analisar as transformações sociais, culturais e psicológicas que ocorrem hoje em dia, principalmente devido à ascensão da sociedade pós-industrial e da cultura digital.

De acordo com o autor, nossa sociedade mudou de um modelo disciplinar, na qual as pessoas eram controladas por instituições como escolas e empresas, para uma sociedade do desempenho, na qual os indivíduos são motivados a se auto-explorar e se auto-otimizar. Outro aspecto é o excesso de positividade, o sucesso e a produtividade, que pode levar o indivíduo a uma pressão constante para ser feliz e bem-sucedido, o que pode resultar em ansiedade e depressão. Leia mais aqui.

Ao unir os dois fatores, auto-exploração e excesso de positividade, Han elabora a ideia de sociedade do cansaço, em que as pessoas não estão mais sendo oprimidas de fora por instituições, mas estão internalizando a pressão para serem produtivas e bem-sucedidas. As redes sociais têm papel importante nesse processo, pois potencializa a percepção de sucesso a partir da tendência de nos apresentar de maneira idealizada. Essa visão distorcida em que o real torna-se ideal, faz com que as relações e percepções do mundo tornem-se superficiais, cada vez mais distantes da realidade. O encorajamento de uma exposição demasiada ao compartilharmos tudo o que acontece em nossas vidas, pode levar a uma sensação de vigilância constante, já que estamos sempre conscientes do olhar dos outros sobre nós.

Em resumo, somos levados a ter uma percepção idealizada da vida, perdemos – de certo modo – o filtro do real versus ideal e, nesse contexto somos expostos, porém, nosso dia-a-dia nos mostra que não somos tão bons na vida real quanto o que apresentamos e nos é oferecido como modelo no espaço virtual. Isso pode levar à exaustão e à depressão, pois os indivíduos – a partir do conceito da auto-exploração – se sentem responsáveis por seu próprio fracasso.

 

Um caminho para o “detox” nos hábitos digitais

Não acredito em receita de bolo, mas respeito a individualidade de cada pessoa e, portanto, nem tudo funciona para todos. Por isso, o objetivo desse texto é provocar a reflexão para que cada um possa aplicar em seu cotidiano. Em outras palavras, é “ensinar a pescar ao invés de dar o peixe.”

De todo modo, algumas ações são genéricas e podem caber a todos, como refletir sobre:

  • Qual o seu objetivo de passar um tempo nas mídias sociais?
  • Quanto tempo você passa nas redes? É muito? É pouco? Recomendo usar a média global como referência.
  • O tempo que você gasta é de qualidade? Você passa mais tempo criando ou consumindo conteúdo?
  • O que seus familiares e amigos falam sobre seus hábitos digitais? Muitas vezes as pessoas nos dão “um toque” se passamos muito tempo conectados, se não largamos o celular ou algo do tipo.
  • Você recebe notificações das redes sociais? Uma forma de te manter conectado é justamente os alertas, que podem ser desativados.

Por fim, importa reiterar que não se trata de ir contra às redes sociais, pelo contrário, é a partir delas que o Filosofia Diária dissemina o seu conteúdo, mas de refletir sobre os nossos hábitos, para que possamos focar no nosso propósito e projetos de vida.

Referências

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.

📷 A Looking Out O’window, Sunshine | Laura Theresa Alma-Tadema (English, 1852 – 1909) | Imagem reprodução