E se os seus pensamentos estiverem mentindo?
“É impossível que a mente não seja assaltada por pensamentos; mas está ao alcance de todo homem empenhado admitir‑los ou rejeitá‑los”. João Cassiano
A sabedoria monástica, vivida por João Cassiano e Evágrio Pôntico, monges e teólogos cristãos do século IV, trazida até mim pelo monge contemporâneo Anselm Grün, nos afirma que o que pensamos contribui para definir o nosso estado psicológico. E isso acontece por meio da autopersuasão.
Persuasão é a ação de fazer com que alguém acredite ou passe a acreditar em algo; portanto, a autopersuasão é quando os nossos pensamentos – sejam negativos (limitantes) ou positivos (superação) – nos influenciam na forma como enxergamos a realidade.
Anselm Grün (2016, pág. 7) conta-nos que um médico que atuou em um caso de doença mental em que um jovem não conseguia progredir no tratamento, concluiu que as “suas palavras são sua vida. Suas palavras são sua doença”, ao perceber que para cada terapia proposta a resposta era algo como “eu não sei fazer isso. Isso não adianta”. Desse modo, “a persuasão negativa causou a doença desse homem jovem. Ela se cravou no seu íntimo, de forma que agora o impede de permitir sua cura. Enquanto ele se agarrar a essas palavras, ele nunca recuperará a sua saúde.”
O pensamento nos controla
Evágrio Pôntico nos diz que muitas vezes os nossos pensamentos se apresentam como ordens internas que – mal organizados por serem guiados pelo desequilíbrio dos vícios básicos como a gula ou a necessidade de reconhecimento – podem nos levar a uma direção errada.
Na prática, aquilo que nos ocupa os pensamentos frequentemente é o pano de fundo da forma como interpretamos a realidade e, por isso, pode nos levar a preocupações desnecessárias e, sobretudo, pode nos reduzir (baixa autoestima) ou nos orgulhar (arrogância).
“Assim como é possível pensar em água com sede e sem sede, também é possível pensar em ouro com ganância e sem ganância. O mesmo se aplica a outras coisas.” Evágrio Pôntico
Portanto, a forma como alimentamos os pensamentos está intimamente ligada à nossa visão de mundo, na interpretação do outro e como lidamos com as circunstâncias da vida.
Como direcionar os pensamentos?
Cassiano orienta que quando o espírito não tem um alvo para alcançar, fica exposto a todo tipo de pensamento. Não é ele quem vive, mas é vivido.
Não podemos fugir dos efeitos de tornar-nos semelhantes ao que ocupamos os pensamentos. Por isso, uma de nossas principais tarefas deve ser a seleção dos pensamentos com os quais queremos nos ocupar. Ora, se sempre pensamos em algo e isso é – de certo modo – mandatório, precisamos dizer para nós mesmos em que queremos direcionar os nossos pensamentos e então selecionar as influências externas.
Não podemos fugir dos efeitos de tornar-nos semelhantes ao que ocupamos os pensamentos.
Nesse sentido, os monges antigos – segundo Grün – utilizavam da fé como um princípio fundamental de leitura da realidade.
“Quando os monges recitam inúmeras vezes uma palavra da Escritura, eles acreditavam que essa palavra seja a Palavra de Deus, que ela descreve a realidade com precisão e ela efetua aquilo que descreve. Quando dizemos em meio a pensamentos depressivos: ”Quem está em Cristo é criatura nova. O que é velho passou, e um mundo novo nasceu” (2 Cor 5,17; Evágrio, tristeza, 73), acreditamos que realmente somos uma criatura nova em Cristo. Ainda não o sentimos, não o sabemos com certeza – confiamos e esperamos que seja verdade.” (2016, pág. 73).
Vivemos ou somos vividos?
É claro que recitar palavras boas e buscar bons conteúdos não resolvem todos os problemas da nossa vida, mas ajudam a influenciar os nossos pensamentos que por conseguinte, nos apresenta uma visão de mundo diferente. Anselm Grün afirma que por vezes “a única solução é barrar os pensamentos e não se ocupar mais com eles” (2016, pág. 71). De todo modo, seguindo a nossa essência é a partir do nosso propósito – e não pelos impulsos desordenados – que devemos reagir à realidade.
Referências
Cassiano, J. Vierundzwanzig Unterredungen mit den Vätern. Disponível em <https://bkv.unifr.ch/en/works/cpl-512/versions/vierundzwanzig-unterredungen-mit-den-vatern-bkv/divisions/3>, acesso em 18 de outubro de 2025.
Grün, A. Autopersuasão – como lidar com os pensamentos. Tradução de Markus A. Hediger. Petrópolis: Vozes, 2016.
📷 Portrait Of His Brother Andreas | Friedrich von Amerling (Austrian, 1803 – 1887)