Por que enfrentar o consumismo?

2 de setembro de 2024

O homem moderno tornou-se escravo do seu próprio desejo, perdendo-se na busca incessante por mais, sem jamais encontrar a verdadeira plenitude.“, diz a frase atribuída a Epicuro, filósofo helenistico que, dentre outros temas, defendeu a felicidade como objetivo de vida, viveu no período entre 341 a.C.-271 a.C.

Agora vejam que Zygmunt Bauman, um dos maiores intelectuais do século XXI, mais de dois milênios após Epicuro, disse que “o consumismo é o câncer da sociedade moderna, corroendo os valores humanos e promovendo uma cultura do descarte, onde tudo se torna descartável, inclusive os próprios indivíduos.”

Sabemos que hoje, muitos influenciadores dizem que você precisa ter muitas coisas e, para isso, deve dedicar sua vida a ganhar muito dinheiro e mostrar aos outros que você “venceu na vida”. Mas, como visto nos textos acima, perder-se no desejo e prazer do consumo é um problema milenar do ser humano. E, muito provavelmente, os efeitos desse perigo também.

A importância do consumo

Por um lado, é claro que precisamos consumir. Temos necessidades básicas e somos, talvez, um dos animais mais frágeis do planeta, exceto pela razão, que nos direcionou ao longo da história a viver em sociedade e criar objetos de proteção que, por óbvio, precisam ser adquiridos. Isso gera um importante ciclo econômico e cadeias de geração de valor, fundamentais para o desenvolvimento social.

No entanto, nos cabe observar que além das necessidades básicas, também há prazer no ato de consumir e, por sua vez, existem perigos que o consumo desenfreado pode trazer à sociedade, quando o consumo torna-se um valor em si mesmo, que vamos chamar aqui de consumismo.

Os perigos do consumismo

O consumismo é o hábito ou ação de consumir muito, em geral sem necessidade. Essa compulsão pelo consumo desenfreado, apresenta uma série de perigos que permeiam não apenas a esfera individual, mas também a coletiva e importa refletir sobre as consequências desse comportamento. Vejamos alguns deles.

 

Vida Social
O consumismo promove uma cultura de superficialidade e insatisfação constante. Ao associar o valor pessoal ao acúmulo de bens materiais, ele nos aprisiona em um ciclo de busca incessante por mais, alimentando um vazio existencial que nunca pode ser preenchido por meio da posse de objetos.

Essa busca incessante por satisfação material frequentemente leva à alienação social, ao isolamento emocional e ao enfraquecimento dos laços comunitários, prejudicando a saúde mental e o bem-estar individual e coletivo. Para entender esse processo, recomendo a leitura do texto “O insaciável desejo de saciar-se”, em que explico na prática, a teoria do filósofo alemão Arthur Schopenhauer que nos ensina o insuportável ciclo contínuo de “quero (vontade) – tenho (tédio) – quero (vontade)…”.

 

Distorção de valores humanos
Ao priorizar o ter em detrimento do ser, podemos afirmar que o consumismo aos poucos estabelece uma distorção nos valores e prioridades sociais. Deste modo, ele nos encoraja a definir nossa identidade e autoestima com base em nossas posses materiais, em vez de nossas qualidades intrínsecas e conexões humanas.

Nessa mentalidade consumista, o “eu” coloca o “outro” como um eterno concorrente. Esse modelo mental radicaliza a famosa expressão do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre que diz que “o inferno são os outros”.

 

Vazio de alma e de bolso
Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), nos últimos dez anos, mais de 60% das famílias brasileiras estão endividadas, com um recorde em 2022, com quase 78%.

O relatório de março de 2024 do SERASA, indica que 72,89 milhões de brasileiros estão em situação de inadimplência. O mapa de inadimplência do SERASA indica também que “apenas” 23% das dívidas estão em contas básicas, ou seja, mais de 75% das dívidas poderiam ser evitadas.

Ora, é conhecido que o aumento da inadimplência não é algo meramente resultante de escolhas pessoais, mas principalmente da conjuntura econômica do País, com taxas de juros elevadas e o lento crescimento econômico. Mas será que nossos gastos estão de fato em prioridades? Será que não podemos evitar?

 

ESG
Do ponto de vista econômico, o consumismo alimenta o ciclo de produção e consumo que exerce uma pressão desproporcional sobre os recursos naturais do planeta. A extração excessiva de matéria-prima, a geração e o descarte irresponsável de resíduos contribuem significativamente para a degradação ambiental e as mudanças climáticas.

O consumo desenfreado não só esgota os recursos finitos da Terra, mas também agrava as desigualdades globais com a exploração de comunidades vulneráveis em busca de mão de obra barata ou mesmo escrava.

Para suprir e mitigar esse impacto, as empresas adotam o ESG (Environmental, social and corporate governance) que indica as práticas das companhias nos aspectos de Meio Ambiente, Social e Governança.

Esses temas são abordados, por exemplo, de forma competente para a elaboração de direções estratégicas na educação para o desenvolvimento sustentável, em material desenvolvido pela UNESCO Brasil e Ministério da Educação (MEC), de modo a influenciar as novas gerações.

 

Por que enfrentar os perigos do consumismo?

Sabemos que as questões mais profundas da vida não são respondidas pelas coisas que temos. Nosso propósito e realização exigem – às vezes – o sentido contrário. Olhar para dentro, com introspecção e foco no crescimento pessoal (espiritual e emocional) ao invés de nos distrairmos com as nossas posses materiais pode ser um atalho para definirmos o que é sucesso para cada um de nós, tornando nossa vida mais cheia de significado, generosa e saudável.

Referências

📷 The Destruction Of The Palace Of Armida | Charles-Antoine Coypel (French, 1694 – 1752)