Como superar a nós mesmos?

23 de junho de 2025

Em maio, o mundo viu surgir na janela central da basílica de São Pedro, no Vaticano, um novo Papa, o Leão XIV. Como todos, fui buscar informações sobre o novo líder da Igreja Católica, e chamou-me a atenção o fato de ele ser um agostiniano. O leitor atento já deve ter observado as diversas citações e inspirações de Santo Agostinho que trago nos meus textos, de modo que me alegrou essa referência.

A partir desse momento histórico de eleição de um novo Papa que tivemos em 2025, trago no texto de hoje alguns aspectos que podem ser considerados pilares na antropologia deste grande pensador e santo, que nos orientem na busca pelo autoconhecimento, a aceitação de si mesmo e a superação de nosso limites.

Quem foi Santo Agostinho?

Santo Agostinho (354–430) foi um dos maiores pensadores do cristianismo. Nascido no norte da África, viveu uma juventude em busca de um sentido da vida na filosofia e em religiões como o maniqueismo. Após uma intensa experiência de conversão ao catolicismo, foi batizado por Santo Ambrósio e tornou-se bispo de Hipona.

Escreveu obras como as Confissões e A Cidade de Deus, influenciando a filosofia ocidental com temas como interioridade, graça e verdade. Morreu em 430 d.C., e é considerado um dos grandes pilares intelectuais da Igreja Católica.

No mundo moderno, repleto de estímulos externos, a jornada interior proposta por Santo Agostinho permanece mais atual do que nunca. Ele compreendia que conhecer a si mesmo era condição fundamental para se aproximar da verdade — e, por consequência, de Deus.

Etapa 1: autoconhecimento

Para Santo Agostinho, autoconhecer-se é mais do que se entender intelectualmente: é um exercício de memória, humildade e abertura. Em suas Confissões, ele mergulha em suas próprias contradições, pecados e dúvidas, mostrando que o autoconhecimento é doloroso, mas libertador.

Em Santo Agostinho, não há sabedoria possível sem uma introspecção honesta. Essa introspecção, porém, não é neutra nem superficial: trata-se de um confronto com a própria verdade, com memórias, paixões, intenções e escolhas. É um processo de purificação da visão interior, que permite ao homem perceber não apenas quem ele é, mas quem está chamado a ser.

Para Agostinho, a verdadeira sabedoria não pode ser alcançada apenas por meio do raciocínio ou da acumulação de conhecimentos externos. Ela exige uma jornada interior, uma disposição corajosa para enfrentar as próprias sombras, reconhecer os limites da razão e ouvir a voz silenciosa da consciência.

É na interioridade que o ser humano se encontra consigo mesmo e, ao mesmo tempo, com Deus, pois a verdade não está fora — em teorias ou aparências — mas no mais íntimo da alma.

“Noli foras ire, in te ipsum redi; in interiore homine habitat veritas” (“Não queiras sair de ti; volta para dentro de ti, no homem interior habita a verdade”) Santo Agostinho.

 

Etapa 2: autoaceitação

Se conhecer leva à descoberta de fraquezas e falhas, o passo seguinte é a autoaceitação. Mas, para Agostinho, aceitar-se não é resignar-se ao erro, e sim reconhecer a condição humana marcada pela limitação, pelo pecado — e, ainda assim, abraçar a possibilidade da redenção.

Autoaceitar-se não é um gesto de vaidade, mas de humildade. Significa parar de lutar contra aquilo que se é e começar a trabalhar com aquilo que se tem.

O caminho de Agostinho passa por uma conversão interior, onde ele acolhe sua história, seus erros e suas fraquezas como etapas de um processo de crescimento. “Tu estavas dentro de mim mais interior que o mais íntimo meu e superior ao mais alto meu”. (Confissões, Livro III). Ao descobrir que Deus habita em nós, Agostinho compreende que, mesmo nos seus momentos mais sombrios, nunca estamos sozinhos. E é nesse aspecto que Deus nos ajuda a superar-nos a nós mesmos.

Etapa 3: autosuperação

A autosuperação em Agostinho não ocorre apenas pela força de vontade individual, mas pela cooperação com a graça divina. Para ele, o ser humano é capaz de elevar-se, mas não sozinho. A verdadeira superação se dá no reencontro com Deus, na purificação das intenções e na transformação interior.

Para Agostinho, a superação é um movimento espiritual: um reencontro com Deus como origem, fim e medida da vida humana. Superar-se, nesse contexto, significa libertar-se das desordens do ego (eu), purificar os desejos e reencontrar a própria verdade interior à luz da graça.

Não se trata de negar a própria história ou fragilidade, como vimos na etapa de autoaceitação, mas de permitir que a presença de Deus transforme o coração, oriente as vontades e cure as feridas interiores.

A superação, para Agostinho, é um processo de reconfiguração do ser humano — não por si só, mas em comunhão com aquele que o criou e o sustenta.

Uma filosofia viva e atual

Ao ler Santo Agostinho somos convidados a uma viagem corajosa que começa dentro de nós: conhecer-se, aceitar-se e superar-se são movimentos encadeados, profundos e contínuos.

Desejo que a era Leão XIV inspire a todos nós a compreender que a nossa jornada é sim marcada por erros, mas também por um desejo verdadeiro de sermos melhores.

Referências

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Paulus, 1999.
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de José Trigueirinho. São Paulo: Paulus, 2008.
GILSON, Étienne. A Filosofia de Santo Agostinho. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PIEPER, Josef. O que é filosofia? (capítulos sobre a interioridade e a tradição cristã). São Paulo: Loyola, 2005.

📷 Daydream | Catherine Engelhart (Danish, 1845–1926)