A linguagem pode ser uma ferramenta de controle?
Há pouco mais de 20 anos, tive a oportunidade de me aprofundar sobre a relação da linguagem na sociedade sob a filosofia do pensador francês Michel Foucault.
Para o autor, a linguagem é muito mais do que uma ferramenta para comunicar ideias e sentimentos, mas uma poderosa força que molda nossa realidade, nossas identidades e até mesmo a maneira como somos controlados e classificados dentro da sociedade.
A Linguagem como Poder
Foucault dizia que os discursos, que são as ideias, estão intimamente ligados ao poder por meio da linguagem. É por meio deles que se estabelece uma maneira de controlar e classificar os comportamentos a partir do poder dominante.
Através da linguagem, as sociedades determinam o que é considerado normal ou anormal, saudável ou doente, moral ou imoral.
Em outras palavras, o que a sociedade aceita como verdade não é apenas algo “descoberto”, mas algo construído e definido através da linguagem. Nas obras Vigiar e Punir e Os Anormais, Foucault explica que termos como “louco” foram usados para classificar o comportamento de indivíduos de modo (por vezes) não universais, mas como uma construção que objetiva definir os limites da aceitação social e da exclusão.
O Papel da Linguagem nas Instituições de Poder
Foucault extrapola o conceito do individual para o social, em que sistemas como a escola são condicionados a manter essa ordem. Desse modo, não se trata de uma entidade para promover a educação, mas funciona como uma estrutura de controle.
É dentro desse sistema que se estabelece o que é considerado normal, quem deve punir e quem deve ser punido. As palavras criam uma realidade social que é aceita como verdadeira.
O Impacto da Linguagem na Identidade
Foucault questiona o conceito de verdade e autoridade. Segundo ele, esses conceitos estão interligados por meio das relações de poder. Ou seja, quem tem o direito de definir o que é verdadeiro? Quem decide quais palavras ou definições são válidas?
Para Foucault seriam as instituições, como o governo,a religião e a ciência que controlam e definem o conhecimento em uma sociedade. Essas instituições têm o poder de moldar a linguagem e, com isso, a realidade que as pessoas percebem.
De certo modo, para o autor, a forma como a sociedade usa a linguagem também molda a nossa identidade pessoal. Por exemplo, uma pessoa que é rotulada como “deficiente” pode ser tratada de maneira diferente, não apenas pela sociedade, mas também por ela mesma. A linguagem aqui não é uma simples descrição, mas uma marca de poder que pode influenciar o comportamento e a autoimagem.
Michel Foucault em nosso dia-a-dia
A provocação de Michel Foucault torna-se cada vez mais relevante à medida que cresce o nosso acesso a meios de comunicação e – de certo modo – o acesso às estruturas de linguagem. Por outro lado, também nos ajuda a nos questionar sobre as palavras que usamos para classificar o que é normal e o que é anormal, o que é aceitável e o que é punível.
Ao compreender a linguagem dessa maneira, podemos começar a perceber como somos moldados por ela, como nossas percepções da realidade são limitadas e influenciadas pelo discurso dominante, e como podemos questionar e desafiar essas estruturas para criar novas formas de entender e viver no mundo.
Referências
Vida, louca vida
FOUCAULT M. A ordem do discurso. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
FOUCAULT M. Os anormais. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FOUCAULT M. Vigiar e punir, história da violência nas prisões. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.
📷 Politics in an Oyster House | Richard Caton Woodville (American, 1825 – 1855) | Imagem reprodução