Você tem medo de ter medo?

21 de julho de 2023

O medo é um dos principais instintos de sobrevivência, é primitivo e está em todo ser vivente. Ora, é perceptível que todo ser com algum grau de consciência tem medo. Basta observar – especialmente em documentários – que os animais, mesmo em diferentes continentes, sem provavelmente nenhum contato entre si ao longo da história, têm reações semelhantes ao se depararem com uma ameaça.

Nós humanos, também temos esse instinto, que nos protege do perigo, nos dá um sinal de alerta e nos desperta a observar com mais cautela os passos a seguir.

Um interessante artigo da revista Veja que pode ser lido aqui, aborda que um estudo das universidades de Leipzig (Alemanha) e Uppsala (Suécia) concluiu que mesmo bebês apresentam estresse quando vêem pela primeira vez animais como cobras e aranhas. De certo modo, existe uma predisposição instintiva que alerta para o perigo desses animais, mesmo que a criança nunca tenha visto ou presenciado um ataque de uma cobra, por exemplo.

Mas se o medo é tão natural e presente, por que nós humanos não o encaramos com naturalidade?

O medo de ter medo

Ao conversar com um taxista, ele me dizia sobre suas crises de ansiedade. O longo percurso foi uma oportunidade para ouvir algumas possíveis causas e sintomas que ele apontou. Fui pesquisar o assunto.

Descobri que uma causa das crises de ansiedade é o medo de ter medo.

Todos temos medo, mas o medo de ter medo de não saber reagir diante de uma resposta natural do nosso corpo quando enfrenta uma situação ameaçadora nos causa ansiedade. De certo modo, vivemos em constante estresse e antecipamos (a cada instante) o provável medo futuro.

O medo na palma da mão

Cientes do medo que temos de sentir medo e, ao mesmo tempo, a nossa curiosidade natural, alguns programas de televisão compilam as tragédias do mundo inteiro para nos hipnotizar e ficarmos alertas sobre tudo o que ocorre de ruim.

São acidentes, homicídios, suicídios, roubos e assaltos, prédios que caem, pessoas que adoecem repentinamente, namoros que terminam em tragédias, e por aí vai.

Ora, muitas vezes nosso corpo/mente não consegue distinguir uma situação real, ou seja, que está acontecendo conosco no aqui e agora do instante, de um estímulo causado pela TV ou pela tela do nosso smartphone. Desse modo, aos poucos criamos um estado permanente de alerta como se um tsunami do Japão pudesse invadir o nosso apartamento em Minas Gerais.

Esse estímulo constante causa desequilíbrio em nosso instinto de medo, de modo a nos manter alertas e com medo da possibilidade de enfrentar uma situação “real” de medo, ou seja, o medo de ter medo que nos causa a ansiedade.

Viver o futuro

O verbo ansiar pode ser entendido como “querer algo com muita força; desejar insistentemente: ansiava por dias melhores”. Aparenta estar ligado ao futuro, de modo que é possível entender que a ansiedade nos remete a um período futuro, à expectativa de algo que está por vir.

E essa expectativa para algo no futuro, nos tira de viver o momento presente.

O único tempo que temos é o momento presente, e trocar o presente por uma expectativa de futuro, nos leva a viver momentos vazios, sem significado, e a soma de momentos sem significado nos leva também a uma vida sem significado.

Uma vida toda se divide em anos, que se dividem em meses, dias, horas e minutos. Mas, na prática, não vivemos o ano, mas apenas o instante.

A ânsia por algo que está por vir nos absorve de modo a esvaziar nossa vida e a possibilidade de não atingirmos os nossos objetivos futuros, nos remete a uma frustração. E o medo da frustração nos gera ansiedade.

Viver o presente

Desse modo, a filosofia nos ajuda a olhar para o nosso agora. Viver esse tempo e espaço que nos é dado, o nosso presente. Estar presente nas situações da vida a cada instante.

As cores, os sabores, os cheiros, as sensações são vividas no momento presente. Buscar viver intensamente essas coisas nos ajuda a ter mais prazer nas pequenas coisas e circunstâncias da vida. Nos ajuda a ter foco no agora. E a soma de pequenos prazeres torna uma vida prazerosa.

Vejam, que não há aqui a negação do passado ou futuro. Boas recordações e aprendizados do passado, ajudam a evitar riscos desnecessários e, por sua vez, as nossas metas e objetivos são como um farol que nos guia.

O problema é chorar o passado, ansiar o futuro e absorver o desequilíbrio que nos querem causar ao nosso impulso primitivo do medo. Quando focamos no presente, desarmamos a expectativa do futuro, que nos esvazia e nos torna ansiosos.

Por fim, deixo um pensamento de Sêneca, que orienta seu amigo Lucílio e a mim, e agora compartilho com você: “aproveita todas as horas; será menos dependente do amanhã se te lançares ao presente. Enquanto adiamos, a vida se vai. Todas as coisas, Lucílio, nos são alheias; só o tempo é nosso.”

Referências

BRITO. S. O papel do medo, a mais antiga das emoções, na evolução das espécies. Editora Abril. Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709.

CAPELATTO, I; CAPELATTO, I. A equação da afetividade: como lidar com a raiva de crianças e adolescentes. Papirus 7 mares. Publicado em <https://books.google.com.br/books?id=WnmADwAAQBAJ&pg=PT9&lpg=PT9&dq=ivan+capelatto+medo+primitivo&source=bl&ots=5zbms6cQ6R&sig=ACfU3U1RTrmADX4DYu5wEXHmE-PMyf0o5g&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiw4-Tvh4b_AhUDtZUCHYD2AywQ6AF6BAgYEAM#v=onepage&q=ivan%20capelatto%20medo%20primitivo&f=false> acesso em 21 de maio de 2023

Ministério da Saúde. O transtorno do Pânico. Disponível em <https://bvsms.saude.gov.br/transtorno-do-panico/>, acesso em 20 de maio de 2023.

SÊNECA. Aprendendo a Viver. Porto Alegre: L&PM; 2017.

📷 November Moonlight (1883) | John Atkinson Grimshaw (English, 1836 – 1893) | Imagem reprodução