Viver com propósito faz mesmo a diferença?
Há muitos benefícios em viver com propósito, como, por exemplo, o estudo publicado na revista Journal of Clinical Psychiatry, que diz que as pessoas que encontram o seu propósito de vida têm melhor bem-estar físico e mental. Também, de acordo com um estudo da Universidade de Michigan, as pessoas com propósito vivem mais ou até traz mais felicidade, melhora o sono, estimula hábitos saudáveis, melhora os relacionamentos e até aumento de renda, diz a página Psychology Today. Mas mais do que tratar dos benefícios, queremos abordar do ponto de vista filosófico a sua importância essencial.
Em seu tratado da Alma, Aristóteles diferencia as plantas, os animais e os seres humanos. Encurtando a obra, ele atribui às primeiras a alma vegetativa, ou seja, que nasce, cresce, se reproduz e morre. Aos animais, o autor entendeu que além das funções vegetativas, eles também possuem sensações, apetites e movimento. Finalmente, Aristóteles atribui ao ser humano a alma intelectiva, que possui a soma das almas vegetativas e sensitivas, mas também o conhecimento racional.
Em suma, com a alma intelectiva o ser humano consegue distinguir as coisas e a si mesmo e, assim, vai além de si mesmo. Desse modo, temos o potencial de conhecer as coisas como elas são ao traduzir racionalmente esse potencial em ato. Para simplificar, imagine um quarto escuro em que todas as cores do ambiente estão presentes, mas você não enxerga até que alguém acenda a luz e então seja possível ver todas as cores. O seu potencial de enxergar vira o ato de enxergar quando a luz é acesa, sendo a luz, nesse exemplo, a razão.
Em outras palavras, o filósofo nos diz que somos capazes de dar significado às coisas. E penso que não somente somos capazes, mas precisamos dar significado às coisas.
Em busca de um sentido
Não me parece coincidência que a filosofia nasce justamente do questionamento da natureza das coisas, buscando investigar qual é o princípio de tudo. Esse era o foco principal dos pré-socráticos que buscavam um sentido racional e lógico para explicar o ser humano e o mundo que o circunda.
Aliás, se formos um pouco além, veremos que, em sua maioria, o senso de finalidade está presente nos contos e fábulas dos mitos gregos.
De tempos em tempos se encontram escavações de antigas civilizações cujos registros levam ao divino, ao transcendente, ao além.
Mais recentemente, o filósofo austríaco Viktor Frankl (1985), disse que descobrir o nosso propósito nos permite enfrentarmos as dificuldades e superarmos as adversidades.
É de se questionar sobre a necessidade humana ao longo da história de buscar um significado para as coisas, mas, mais importante ainda, é observar a inquietação de quem não encontra um sentido para a própria vida.
O que é Propósito?
A filosofia existencialista do século XX de certo modo tenta romper com a histórica busca humana por um significado ao afirmar que, na verdade, não existe significado nenhum. Se não há Deus ou um objetivo para as coisas, naturalmente o ser humano cai no tédio e na angústia, pois não consegue encontrar respostas para as suas ansiedades.
A tentativa até que teve algum sucesso, pois as gerações que a sucederam, inclui-se a nossa, parecem muitas vezes correr sem chegar a lugar algum.
O filósofo Lou Marinoff (2004), faz uma interessante distinção entre Propósito e Significado. Apesar de distintas, são complementares. Segundo o filósofo, propósito é um objeto ou fim último a ser alcançado. A meta. Por sua vez, o significado está no modo como as coisas acontecem.
Ele explica ilustrando o cardápio de um restaurante, em que tem por propósito ajudar a escolher, e o significado são as informações contidas nele. Se você for a um restaurante estrangeiro e não dominar o idioma, você vai saber qual o propósito do cardápio, porém, se não há ilustrações para ajudar, o cardápio não terá significado para você. Do mesmo modo, ao ler um mapa cujo propósito é guiá-lo ao seu destino, não adianta saber o significado se não define o seu destino.
Podemos definir que nesse contexto, o propósito está relacionado à meta e, portanto, o propósito de vida visa alcançar uma existência plena e não à de existir por inércia.
Precisamos de um Propósito?
Quando a gente fala de propósito sempre dá a impressão que estamos falando de algo abstrato, mas na verdade não é. E a missão do Filosofia Diária é também trazer essa realidade para o dia a dia.
Aristóteles dizia que a felicidade é o objetivo maior do ser humano e, resumidamente, o filósofo afirmou que a felicidade é buscar aperfeiçoar-se como ser humano. Lembra das almas vegetativa, sensitiva e intelectiva? Para Aristóteles, a felicidade está em viver segundo a nossa natureza intelectiva, ou seja, racional. Desse modo, na prática, a realização humana está em separar as coisas boas das ruins e traçar objetivos e metas para o nosso bem e, com repetição, melhorar a cada dia.
Nota-se que não se trata de felicidade como estar bonito e sorridente o tempo todo, como um objetivo midiático, financeiro ou social. Trata-se de felicidade como a harmonia entre o que eu sou, o que eu quero e como os meus objetivos me direcionam para isso.
Assim, o que o Filosofia Diária se propõe não é uma auto ajuda e as suas promessas. Também nossa proposta não está relacionada ao Carpe Diem, que visa aproveitar o momento sem preocupações futuras, pois tudo um dia vai acabar.
Mas viver com propósito faz mesmo a diferença?
Viver com propósito nos conecta à nossa íntima busca pelo sentido das coisas e, sobretudo, da nossa vida e, ao atribuir o seu significado, alcançamos uma experiência de paz e nos afastamos das picuinhas.
Ter visão de propósito é buscar a realização a partir de atribuir significado para as atividades que fazemos no nosso dia a dia, de estabelecer metas e objetivos, de superar adversidades em busca de algo maior: o nosso Projeto de Vida.
Referências
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Luciano Ferreira de Souza. Editora Martin Claret: São Paulo, 2015.
Frankl, Viktor. Em Busca de Sentido. Tradução Walter O. Schlupp, Carlos C Aveline. São Leopoldo/RS: Sinodal, 1985, 135 p. Título original: Trotzdem Ja zum Leben sagen.
Marinoff, L. Mais Platão, menos Prozac: a filosofia aplicada ao cotidiano. Editora Record: Rio de Janeiro, 2004.
Realle, G.; Antiseri, D..História da Filosofia. 6 ed. São Paulo: Paulus, 2003. vol. 1
📷 Der fliegende Holländer | Michael Zeno Diemer (German, 1867–1939) | Imagem reprodução