Viver a vida

21 de junho de 2021

Está na hora de olhar para frente!

Marco Aurélio Antonino Augusto, que governou o Império Romano de 161 até 180 DC, disse em suas meditações: “viver a melhor vida possível está ao alcance da alma, se ela é indiferente ao que é indiferente. E ela será indiferente se olhares para tais coisas isolada e completamente com discernimento, lembrando-te de que nenhuma delas é capaz de impor uma opinião sobre si, nem pode vir por sua vontade até nós” (AURÉLIO, 2020, pág. 114).

Em um passado próximo, no interior de São Paulo, ao se cumprimentarem era costume as pessoas perguntarem sobre a vida, e a resposta era algo como “vai levando”. A ideia de que a vida é séria, dura, difícil, e que por isso deve ser levada com rigidez ainda está em nossa formação. Muitos ainda, ao falar de suas compras ou de uma viagem, justificam em seguida dizendo que a aquisição foi feita devido a uma promoção. Num olhar um pouco menos superficial, me estranha o fato da pessoa precisar se justificar, mas entendo o contexto. Ora, a vida em si não deve ser vista como uma punição, um peso, algo difícil de levar.

Epicteto, filósofo nascido na Turquia que viveu entre os séculos I e II D.C., foi um dos expoentes da escola neo estoica. Ele foi radical em um ensinamento interessante para o bem viver: foco no que está sob o seu controle. Usarei uma referência para explicar.

“O grande princípio da filosofia de Epicteto consiste na divisão das coisas em duas classes: a) as que estão em nosso poder (ou seja, opiniões, desejos, impulsos e repulsões) e b) as que não estão em nosso poder (ou seja, todas as coisas que não são atividades nossas, como, por exemplo, corpo, parentes, haveres, reputação e semelhantes). O bem e o mal residem exclusivamente na classe das coisas que estão em nosso poder, precisamente porque eles dependem da nossa vontade, e não na outra classe, porque as coisas que não estão em nosso poder não dependem da nossa vontade” (REALE, 1990, pág. 309).

Essa classificação entre as coisas que posso controlar e as coisas que não posso controlar, ajuda fundamentalmente a interpretar a vida de modo diferente e mais realista. Ora, muitos dos nossos pesos no dia-a-dia estão justamente em tentar resolver problemas que não são nossos, ou ainda, uma preocupação exagerada com ocasiões das quais não podemos controlar. Não adianta murmurar ou reclamar se está frio, quente, chovendo ou muito sol… com isso apenas criamos um ambiente ruim para nós mesmos. Se não estão sob o nosso domínio, precisamos fazer a nossa parte e ficar em paz com as circunstâncias que não podemos controlar.

Viver a boa vida não significa ausência de problemas, mas na capacidade de gerenciá-los.

Não podemos nos sentir prejudicados pelas circunstâncias da vida o tempo todo, mas encarar de forma positiva: se está ao meu alcance, esse desafio me levará a crescer como pessoa ou profissional; se não está sob o meu domínio, não devo me preocupar. E aí está mais uma chave dos pensadores estoicos: o que nos causa perturbação não é o fato em si, mas como nós julgamos os fatos.

Dar a correta medida para as coisas é muito importante para construirmos a paz e vivermos a nossa vida de forma mais livre. Por exemplo, muitas pessoas ficam preocupadas quando estão em um local em que a sua internet do celular não funciona. Muitas vezes, a preocupação não é com a internet do dispositivo em si, mas com as pessoas que estão sem contato imediato, ou sem acompanhar determinada mídia social, etc. Pois bem, a única coisa que podemos fazer é reiniciar o dispositivo e não temos controle sobre o sinal da internet. Do que adianta murmúrio ou reclamação?

Vejam que não digo que é algo simples e fácil e muito menos me coloco como exemplo dessa virtude, porém a sabedoria de Epicteto pode – e muito – nos ajudar a encarar a vida e seus desafios de forma mais serena e tranquila. Focar no que podemos atuar trará mais felicidade e realização; enquanto libertar-nos das coisas que não podemos mudar, nos trará paz de espírito e até uma relação mais saudável com as pessoas, coisas e circunstâncias.

Precisamos, portanto, viver a vida e os seus desafios com otimismo e bom humor. Dar o peso correto para cada coisa e, em alguns casos, ser indiferente com o que não podemos mudar ou está fora do nosso alcance. É um exercício cotidiano que exige pausas para organizar os pensamentos e muito discernimento, porém, o resultado esperado é a paz.

 

Referências

AURÉLIO, MARCO. Meditações. Jandira, SP: Principis, 2020.

REALE, GIOVANNI. História da Filosofia Antiguidade e Idade Média / Giovanni Reale, Dario Antisseri. São Paulo: Paulus, 1990.

📷 Reverie | Fritz Zuber-Bühler (Swiss, 1822 – 1896) | Imagem reprodução