Vida, louca vida

23 de novembro de 2020

Já pensou no que seria dos grandes mestres, pintores, músicos, escultores ou mesmo jogadores de futebol, se ao invés de ter a sua arte estimulada, fossem colocados em uma fôrma que os padronizariam no mero conhecimento matemático?

Pois bem, muitos desses grandes artistas – além de milhares de pessoas ao nosso redor – são considerados diferentes, insanos, com comportamento ou opiniões que devem ser corrigidas. Ora, será que ao invés de pensar junto, não buscamos corrigir um pensamento diferente? Será que não excluímos pessoas ou as classificamos apenas por não concordarmos com o seu discurso?

Segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), há uma criteriosa seleção que nos mostra o que é importante e o que não é importante, o que é verdadeiro e o não verdadeiro, belo ou não belo, enfim, há uma imposição social sobre essas coisas e para suportá-las, as pessoas vão fazer uso de uma máscara (1996, páginas 10 a 12), que nós vestimos a partir do julgamento e do valor aplicado às coisas que as autoridades nos dizem que são corretas.

Para Foucault, entender a história é buscar entender os campos discursivos de cada época. A história é constituída de momentos aleatórios em que não podemos simplesmente conectar acontecimentos em períodos diferentes. Na prática, isso quer dizer que o que foi importante, normal ou loucura na idade antiga, não necessariamente o eram na idade média ou contemporânea. Ora, se a interpretação da coisa em si muda de acordo com seu período histórico, então o julgamento de loucura está condicionado ao padrão que a classe dominante da época estabelece, e não algo biológico*.

O que essa abordagem de loucura fala para nós?

Foucault se fazia diferente para entender o que é estranho para si mesmo; o que é aceitável ou não na sua cultura e, deste modo, entender os modelos de correção. Mas, sobretudo, Michel Foucault nos provoca a pensar a sociedade a partir da intolerância, que evita formas diversas de ser e contribuir ao contexto social.

Repito: será que ao invés de pensar junto, não buscamos corrigir um pensamento diferente?

Talvez esse louco ao nosso lado seja apenas alguém gritando (internamente), infeliz, que quer apenas ser ele mesmo.

*Nota do autor: evidente que não trata-se aqui daqueles que de fato têm um distúrbio mental e que devem ser adequadamente acolhidos e cuidados. Falamos da massificação do conceito e o quanto, numa perspectiva histórica a relação de poder e comportamento foram fundamentais para a exclusão daqueles que não se enquadraram.

Referências

ANTISERI D. REALE, G. História da filosofia. Volume 3. Ed. 6. São Paulo: Paulus: 2003.

ERIBON, D. Michel Foucault. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

EWALD F. Foucault, a norma e o direito. Tradução de Antônio Fernando Cascais. Lisboa: Vega, 1993. 

FOUCAULT M. A ordem do discurso. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996.

FOUCAULT M. Doença mental e psicologia. Tradução de Lilian Rose Shalders. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. 

FOUCAULT M. Os anormais. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FOUCAULT M. Vigiar e punir, história da violência nas prisões. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.

MONDIN, B. Curso de Filosofia, Volume 3. 6. ed. Tradução de Benône Lemos. São Paulo: Paulus, 1983.

📷 In the artist`s studio | Eberhard Stammel (German, 1833-1906) | Imagem reprodução