Um pouco de fracasso faz bem
Em 2010, o filósofo Byung-Chu Han escreveu um livro chamado “Sociedade do Cansaço”. Mais do que uma obra que relata nossa atual cultura ocidental, pode-se dizer que foi uma intuição filosófica que este filósofo teve ao mostrar como nossa sociedade está esgotada, deprimida e sob constante tensão.
Nas palavras de Han, vivemos em uma sociedade que historicamente, produziu nas pessoas o excesso de positividade, ou seja, a mentalidade de que não existe fracasso, tristeza, e que a felicidade é atrelada ao indivíduo que consegue, a todo momento, bater metas, fazer com que tudo dê certo e que este seja um “Super-Homem” ou uma “Mulher-Maravilha”, principalmente em seu ambiente de trabalho, vida pessoal, intelectual e familiar.
O excesso de positividade, atrelado ao marketing, à publicidade e, até mesmo à escola, ilude e sufoca as pessoas ao dizer que tudo tem que a todo momento dar certo e que o sucesso é o fim último de todo indivíduo.
Nada contra a pessoa buscar o sucesso e a realização pessoal, pois ninguém sanamente levanta todos os dias de sua cama desejando ser um fracassado, uma fracassada. O que quero provocar, por meio desse texto, é qual o preço do excesso de positividade na vida da pessoa?
Será que a ideologia contemporânea que diz que temos sempre que acertar, que temos sempre que superar as expectativas que depositam em nós é o verdadeiro caminho para a realização de si e para a felicidade?
Em uma de suas obras, o escritor americano Mark Manson, ao analisar nossa sociedade contemporânea, comenta que “qualquer tentativa de escapar do negativo – evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo falha. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento”. Nossa sociedade tende a generalizar a felicidade e o otimismo extremo e a evitar as emoções negativas e frustrações pessoais e coletivas.
Percebemos essa afirmação principalmente nas redes sociais que, não de maneira generalizada, valorizam posts de uma vida legal, perfeita em que tudo está dando certo, tudo é bonito e sem conflitos. Numa leitura filosófica mais aprofundada, a estética supera a ética e a aparência supera a essência.
Como educador, percebo que o excesso de positividade se tornou até problema para muitas escolas. Desde os primeiros anos, a criança é educada ao excesso de positividade tóxica e à negação da tristeza. Muitas escolas se veem forçadas a “agradar o cliente” e a atender diversas exigências dos pais, muitas até absurdas, para que seu filho seja protegido e evite a frustração.
São muitas crianças e pais que não sabem lidar com uma nota baixa e, quando esta vem, ao invés de usar esse momento como uma reflexão e uma autoanálise de onde se pode melhorar, quais os pontos fracos, o que faltou, etc., preferem ligar na coordenação da escola e reclamar do professor.
São muitos pais que não permitem o filho entrar em conflito com os colegas. Claro, que não podemos confundir o conflito com o bullying, pois este é um mal para as pessoas e gera muitos problemas nas escolas, mas o conflito, quando mediado de maneira saudável, é uma oportunidade de crescimento, autoavaliação e autoconhecimento pois, coloca a criança diretamente com a tensão e a frustração, realidades essas que, quanto mais trabalhadas desde os primeiros anos, mais favorecem a ética, autonomia, maturidade e liberdade interior.
É importante pensar como o excesso de positividade tem nos afetado. Ao longo da história da psicologia e da psicanálise, o que se sabe é que quando se bloqueia as emoções, estas encontrarão uma forma alternativa de se expressarem. Segundo Rodellar, “todas as emoções que reprimimos são somatizadas, expressas através do corpo, muitas vezes na forma de doença”.
Não seria um paradoxo diante de tanta “positividade” nossa sociedade estar tão doente? Não seria a positividade a “cura” para tantos problemas de saúde mental da sociedade? Então, por que diante da afirmação do excesso de otimismo, ainda assim doenças como depressão, ansiedade, burnout, dentre outras, persistem?
Nas palavras de Sally Baker, “quando ignoramos nossas emoções negativas, nosso corpo aumenta o volume para chamar a atenção para esse problema. Suprimir as emoções nos esgota mental e fisicamente”.
Por fim, assumir o fracasso como inerente a nossa existência é fundamental e nos permite o verdadeiro discernimento de quem somos. Não é ruim ser sincero consigo mesmo e assumir que, no dia-dia, nem tudo está Ok, ou seja, diante de tanta positividade tóxica, um pouco de fracasso faz bem.
Referências
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.
BLASCO, Lucía. O surpreendente efeito da positividade tóxica na saúde mental. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-55278174> Acesso em: 23 de julho de 2021.
📷 Napoleon Leaving The Lobau After The Defeat At The Battle Of Aspern (1845) | Anton von Perger (Austrian, 1809 – 1876)