Sobre o vírus do racismo

25 de outubro de 2021

Mais uma variante do vírus se espalha pela cidade. Apesar da desconhecida capacidade de proliferação e dos possíveis danos causados às pessoas, esta variante já gerou efeitos irreversíveis na vida de milhares de pessoas, além de centenas de mortes. Fique claro, que apesar da analogia, não se trata de uma nova variante do coronavírus, que também assusta a muitos, e ainda produz efeitos devastadores em todo o mundo. Trata-se sim, de um vírus tipicamente humano que, de tempos em tempos, consegue variar a sua forma e reinfectar uma significativa parcela da população. Este é o vírus do racismo.

O racismo não é novo e certamente, é bem conhecido. Na verdade, é difícil encontrar um momento da história humana em que ele não esteja presente impulsionando o ódio, a incompreensão e, na grande maioria dos casos, até mesmo a morte.

Recentemente, George Floyd foi morto pela polícia de Minneapolis nos Estados Unidos, o que gerou uma onda de revolta em todo o país. Por que um homem negro, rendido às forças polícias e sem demonstrar resistência acabou recebendo um golpe tão cruel? “Eu não consigo respirar” disse Floyd pouco antes de morrer, indicando que seus pulmões estavam repletos do maligno vírus.

Poucos meses depois o racismo já tinha mudado. Agora, pessoas de origem asiática recebem os efeitos nocivos do racismo. Frases como “eles [asiáticos] são responsáveis pela pandemia do Covid-19″, “eles criaram um plano para quebrar nossa economia”, ou então “estão roubando nossos empregos” se apresentam altamente transmissíveis e acabam infectando muitos que não estão devidamente imunizados contra tal ameaça invisível.

 

Aspectos psicológicos do racismo

O professor de filosofia da Unesp Eli Vagner F. Rodrigues condensa de forma muito competente a obra “Reflexões sobre o racismo” de Jean Paul Sartre em um artigo da Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos. Na obra, Sartre reflete sobre aspectos psicológicos que geram preconceitos antissemitas na Europa das décadas de 50 e 60.

Sartre afirma que o preconceito e o racismo nascem de um sentimento de ódio ou cólera, opostamente situado em relação ao pensamento coerente e racional. Repare que um racista acaba sempre usando argumentos que procedem de uma lógica mais ligada às emoções do que à razão: “Eu os odeio por que são preguiçosos, ou criminosos, traficantes, marginais, favelados, perigosos, criadores do coronavírus, etc…”

O racista, em toda a sua falta de racionalidade, acaba associando um determinado mal ou incômodo pessoal do seu cotidiano à outra pessoa. Com isso, a pessoa preconceituosa passa a não ter absolutamente nenhuma culpa ou responsabilidade sobre os problemas que vive, transferindo a causa do mal para os atos das pessoas que são foco do seu preconceito. Assim, os racistas justificam suas atitudes de ódio, repulsa e falta de razão como uma resposta justa ao cerceamento de seus direitos básicos. Se sentem como vítimas com legitimidade para responder de forma violenta e agressiva.

Como o racismo nasce de uma fraqueza do sistema racional e de uma dilatação negativa das emoções em relação a um determinado grupo, toda e qualquer pessoa humana é potencialmente capaz de contraí-lo. O que determina o agravamento da doença do racismo no íntimo de cada um é, portanto, a resposta rápida e eficiente que a razão é capaz de proporcionar. O racismo só cresce e cria raízes em pessoas desprovidas de capacidade crítica e reflexiva.

Mas tal reflexão não se aplica apenas a exemplos macros dos grandes grupos raciais, étnicos ou sociais. Pergunte a si mesmo, qual a sua razão para incomodar-se tanto com algumas pessoas que passaram por sua vida. Será que não há muito mais sentimento, frustração, ódio, raiva e outras paixões envolvidas do que propriamente razão?

Você poderá se surpreender com a quantidade de variantes deste vírus em sua vida que podem se espalhar e infectar também outras pessoas, gerando uma explosão de casos e mortes.

Tome a sua vacina de razão: pense sobre si mesmo, sobre suas relações, sobre o que te incomoda e como as outras pessoas se encaixam nestas situações. Vacine-se contra o racismo! E uma vez vacinado, desfrute do maravilhoso mundo humano que as relações interpessoais irão lhe proporcionar.

E como o tempo ainda é de pandemia – pois ainda há muito racismo diluído na sociedade – não se descuide das medidas básicas de proteção como uso de respeito, empatia e compreensão, sempre.

“Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (Da autobiografia “O longo caminho para a liberdade”, 1994).

Referências