Será que você está viciado?

4 de março de 2024

Se você dorme e acorda com o smartphone, usa até mesmo durante as refeições, tem algum desconforto quando não está próximo ao dispositivo ou checa se há novas mensagens o tempo todo, sinto lhe informar, mas você pode estar viciado.

A dependência do aparelho é conhecida por nomofobia, e tem preocupado os especialistas. Pesquisadores do King’s College de Londres, em um estudo envolvendo 42 mil jovens para investigar o “uso problemático de smartphones”, concluíram que 23% tinham comportamento que poderiam ser classificados como vício.

Esse estudo também enxerga uma associação com a saúde mental, em que as pessoas ficam mais ansiosas, chateadas, desenvolvem pânico entre outros problemas sociais, via de regra a partir das redes sociais.

O médico Mitch Prinstein, diretor científico da Associação Americana de Psicologia (APA), em entrevista à CNN explica que “a mídia social e seu foco em ‘curtidas’ quantificadas ou notificações frequentes, parecem estar associadas à ativação de áreas no cérebro que nos fazem não apenas desfrutar dessas interações, mas biologicamente ansiar por elas”.

Deste modo, existe um mecanismo para que as plataformas satisfaçam as nossas necessidades, liberando hormônios de prazer e nos mantendo em estado de alerta. “Prinstein, da APA, diz que a dependência de “likes” nas redes sociais pode ser tão problemático quanto o vício em drogas, jogos de azar ou videogames.”

Certamente você se identificou com esse problema, pois todos conhecemos pessoas que sofrem com essa dependência, mas quero convidá-lo a voltar no tempo e descobrir em Platão uma possível solução para esse vício.

O mito da caverna

O mito da caverna de Platão é uma das mais famosas alegorias da filosofia. Ele conta a história de um grupo de prisioneiros que vivem acorrentados em uma caverna, de costas para a entrada, e que só podem ver as sombras projetadas na parede oposta por objetos que passam diante de uma fogueira.

Essas sombras são a única realidade que eles conhecem, e eles se dedicam a nomeá-las e classificá-las. Um dia, um dos prisioneiros consegue se libertar e sai da caverna, descobrindo o mundo exterior, onde há luz, cores, formas e seres vivos. Ele fica maravilhado com a verdade e tenta voltar para contar aos seus companheiros, mas eles não acreditam nele e o ridicularizam, preferindo permanecer na ilusão das sombras.

O mito da caverna de Platão é uma metáfora para a condição humana que vive na ignorância e no engano, sem buscar o conhecimento e a sabedoria. Platão defendia que o filósofo é aquele que se liberta das correntes da opinião e da aparência, e que busca a essência e a verdade das coisas, através da razão e da dialética.

Para Platão, o mundo sensível é uma cópia imperfeita do mundo inteligível, onde estão as ideias eternas e imutáveis, que são a fonte de toda a realidade.

As “sombras” das redes sociais

O mito da caverna de Platão pode ser comparado com a alienação das redes sociais, que são um fenômeno contemporâneo que afeta milhões de pessoas.

As redes sociais são plataformas digitais que permitem a comunicação, a interação e o compartilhamento de informações entre os usuários. Elas podem ter aspectos positivos, como facilitar o contato, a informação e a diversão, mas também podem ter aspectos negativos, como gerar dependência, isolamento, manipulação e falsidade.

As redes sociais podem ser vistas como uma nova forma de caverna, onde as pessoas ficam presas a uma realidade virtual, que nem sempre corresponde à realidade factual, podendo criar uma ilusão de que se está conectado com o mundo, mas na verdade se está desconectado de si mesmo e dos outros.

Deste modo, elas podem estimular o narcisismo, a superficialidade, a competição e a inveja, ao invés da autenticidade, da profundidade, da cooperação e da solidariedade. Nesse campo virtual também podem se difundir as fake news, que são notícias falsas ou distorcidas, que visam influenciar a opinião pública e os interesses políticos e econômicos.

As redes sociais podem produzir as sombras do mito da caverna, que são imagens e informações que não refletem a verdade, mas sim a aparência, a ideologia e a fantasia.

Saia da “caverna” das redes sociais

Para sair da caverna das redes sociais, é preciso ter uma atitude crítica, reflexiva e ética, que questione as fontes, os conteúdos e os efeitos das informações que se recebe e se transmite.

É preciso ter uma atitude filosófica, que busque o conhecimento e a sabedoria, que valorize a razão e o diálogo, que respeite a diversidade e a pluralidade. É preciso ter uma atitude humana, que cultive a autoestima e o autoconhecimento, que desenvolva a empatia e a compaixão, que promova a liberdade e a responsabilidade.

Como disse Platão, “a verdadeira sabedoria consiste em conhecer-se a si mesmo”. E como disse Sócrates, “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”.

 

Referências

Platão. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

Loaiza, M. V.; Melo C. “Carência por like está quimicamente relacionada ao vício, alerta especialista” CNN, 2021, https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/carencia-por-like-esta-quimicamente-relacionada-ao-vicio-alerta-especialista/. Acesso em 28 dez. 2023.

Coughlan, S. “1 em cada 4 jovens está viciado em celular, aponta estudo britânico” BBC, 2019, https://www.bbc.com/portuguese/geral-50599245. Acesso em 28 dez. 2023.

📷 A Lull In Business (circa 1890-1900) | John George Brown (American, 1831-1913)