Por que o sofrimento em minha vida?
Uma das perguntas que mais indaga o ser humano desde a sua tomada de consciência sobre si mesmo e o mundo é: qual o papel do sofrimento na vida das pessoas?
Uma das filósofas mais renomadas do Brasil, Viviane Mosé, certa vez, em uma entrevista sobre esse assunto, trouxe uma polêmica afirmação que, há princípio, gerou arrepsia. Ela disse que o sofrimento move a vida; o sofrimento é bacana; e, ao criticar Freud, afirmou que o problema da psicanálise é tratar o sofrimento como algo ruim. E, finalizando sua afirmação, disse que achava que o sofrimento deveria aumentar.
Em um primeiro momento, também fiquei perplexo com essa fala da pensadora Viviane Mosé, pois dá a entender que devemos buscar o sofrimento como um fim último. No entanto, ao aprofundar sua reflexão, fui entendendo, ruminando, assimilando aos poucos a sabedoria por trás de suas palavras.
Quando nos deparamos com o sofrimento na nossa existência, realmente percebemos que ele nos move. Não precisamos buscar sofrimento pois, ele vem e entra em nossas vidas, sem pedir licença. Quantos não foram surpreendidos por uma doença terminal, um rompimento amoroso, uma demissão, uma traição ou até mesmo a perda de um ente querido? Mas, uma coisa também é verdade: o sofrimento é um processo que por si só termina quando amadurecemos as questões que ele quer sinalizar que são realmente importantes para nós.
A dor é o aviso de que algo não está bem e que precisa de cuidado.
Lembro-me do período que morei em Santa Catarina e, ao conhecer um vinhedo, o dono me disse que uma videira para dar uma uva doce precisa ser podada. E a videira que não é podada, produz uma uva azeda. Ora, não seriam as podas da vida (que doem por sinal) uma oportunidade de amadurecimento e fortalecimento da alma para gerar bons frutos?
Uma das razões do sofrimento é o rompimento da alma para se tornar maior, e, quando isso acontece, podemos assumir a contradição que somos e vivemos a todo momento e, consequentemente, assumimos para nós mesmos a importância de lidar com as provações e a crescer enquanto ser humano, amigo, pai, mãe, colega de trabalho e pessoa. Muitos teóricos falam que uma das inteligências socioemocionais mais importantes é a resiliência. Como vou aprimorar tal inteligência sem lidar com as contradições que a vida nos oferece? Já dizia Fabio Murillo: “as pessoas sofridas são muito interessantes”.
Infelizmente, vivemos em uma sociedade infantilizada quanto a essas questões e que não entende que o fato de sofrermos, nos permite, como diria Bertrand Russell, o “alargamento do eu”. É por meio da dor e do processo de assimilação da mesma que o ser humano amadurece. No entanto, nossa sociedade nos dá uma falsa promessa de felicidade fazendo com que neguemos dimensões importantes da totalidade do ser, dentre elas, como diria Buda, que nossa vida é marcada pelo sofrimento.
Em outras palavras, o sofrimento vem em nossa sociedade e ela diz que eu tenho que ir ao shopping comprar para acabar com ele. A dor de uma decepção amorosa vem e eu preciso “ficar” com o máximo possível de parceiros ou parceiras em uma noite de balada para “afogar as mágoas”. O meu trabalho está difícil e eu preciso do happy hour (hora feliz) para torná-lo mais suportável assumindo a afirmação de que meu trabalho é um peso e só sou feliz quando estou fora dele. Sem contar com o tanto de drogas psicotrópicas indicadas por especialistas ou automedicações enriquecendo a indústrias farmacêuticas que já entenderam a impossibilidade do homem moderno de assumir que o sofrimento é uma condição inerente ao seu ser.
Por fim, podemos afirmar que a vida é um paradoxo. Ao falar do sofrimento, não quero fazer uma apologia ao mesmo. No entanto, quando ele aparece, juntamente com ele, vem a oportunidade de amar a vida mais intensamente. As provações aparecem e junto com elas o resgate do eu. Quantas vezes nos distraímos com a exterioridade, a superficialidade da vida, e, de repente, um momento de dor nos traz de volta para nós mesmos. Por isso, quando estivermos nessa situação, não podemos deixar de perguntar: o que você (sofrimento) quer de mim? Que aspecto da minha vida precisa crescer e se transformar? O que você quer me dizer?
Referências
https://www.youtube.com/watch?v=rr4tX-hfs7c
Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, Oxford University Press, Oxford, 2001, pp. 89-94.
📷 Hamlet und Horatio am Grabe Ophelias (1872) | Hans Thoma (German, 1839-1924) | Imagem reprodução