Por que não começar sendo bom?
“Me esforço para ser melhor a cada dia. Pois bondade também se aprende”. Cora Coralina
Certo dia, exercendo minha rotina de professor e trabalhando com adolescentes de oitavos anos, trouxe como assunto nas aulas de ensino religioso uma temática bem interessante em tempos atuais: “O valor da bondade e da laboriosidade para um mundo melhor”. Enquanto desenvolvia esse tema, refletíamos sobre o valor de ser bondoso, sensível ao sentimento alheio e da importância de ajudar o próximo, apontando o caminho da benevolência como uma forma de se construir como pessoa e de construir uma sociedade mais ética, altruísta pautada em ações de solidariedade e da promoção de dignidade do ser humano.
Também, ao refletir sobre o conceito de laboriosidade, que trata de um esforço, ou um trabalho árduo para fazer algo com excelência, discutíamos que não basta apenas ser bom e fazer o bem com ações pautadas apenas na intuição, na emoção ou com o intuito da promoção de si mesmo e divulgação da sua própria imagem perante a sociedade.
A laboriosidade leva-nos ao zelo, ao esforço, ao trabalho árduo e difícil de “fazer o bem bem feito”. Enquanto discutíamos sobre essa temática, uma aluna, sabiamente, perguntou: “professor, você não acha que para fazer o bem, você deve ter prazer nisso, ficar feliz e sentir-se satisfeito ao ajudar o outro?”.
Essa pergunta me levou a refletir sobre o conceito de imperativo categórico do filósofo iluminista Immanuel Kant que dizia “age de tal forma que a máxima do teu querer possa valer em todo o tempo também como princípio de uma legislação geral”. Kant dizia que uma ação moral deve ser boa em si mesma e independente de todo e qualquer imperativo hipotético que subordina nossas ações a qualquer tipo de condicional.
Em outras palavras, o exercício da bondade e da laboriosidade não podem ser condicionados em praticarmos atos de bondade se nos sentimos bem, felizes ou satisfeitos em ajudar o outro. Numa perspectiva kantiana, a bondade é um valor em si mesmo que deve ser praticado independentemente das condicionais que a vida nos proporciona tais como: “se eu for bom, ganharei o céu”, “se eu ajudar meu próximo poderei pedir que ele retribua o favor mais pra frente”, se eu arrumar minha cama, lavar a louça, limpar a casa, poderei pedir para meu pai aquele videogame que é lançamento”, “se eu praticar a caridade, terei uma boa imagem perante meu chefe, amigos ou eleitores”. Santo Agostinho, filósofo medieval, ao falar sobre a bondade no livro XII da Cidade de Deus dizia: “que ninguém busque a causa eficiente da má vontade, pois ela não é eficiente, mas sim deficiente (non enim est efficiens, sed deficiens); ela não é fonte de bons resultados, mas sim de deficiência”. Em outras palavras, ao falar da bondade, Santo Agostinho mostra que a sua prática nos leva a uma evolução humana e a negação desta nos torna pessoas deficiente e distantes de nossa essência.
Por fim, atravessamos o término de mais um ano. Passamos pelo Natal e as festas de Ano Novo. Vários sentimentos brotam do coração, principalmente o desejo de novos propósitos para a vida. Por que não trazer como um novo recomeço o exercício da prática da bondade e da laboriosidade? Sabemos que um propósito sem disciplina, esforço e atitude de vida, facilmente se transforma em uma frustração. Mas, como todo exercício físico, vamos “’desatrofiando’ os músculos da bondade” no dia-dia a medida em que materializamos com atitudes pontuais gestos de altruísmo, doação e oportunidades de ser. A bondade é um exercício que, se transformarmos em um hábito, nos dará um valioso prêmio, tão necessário para os dias de hoje: a gratidão.
Referências
📷 The Annunciation (1672) | Luca Giordano (Italian, 1634-1705) | Imagem reprodução