Por que é tão difícil fazer escolhas?
Recentemente, numa conversa cordial e profunda, fui indagado com uma provocação sincera e pertinente: não lhe é custoso e extremamente difícil tomar decisões, escolher seu caminho e decidir sobre o seu futuro? Apesar de eu ter tomado diversas decisões ao longo da minha vida, muitas delas com impactos significativos, nunca havia pensado sobre essa habilidade básica do ser humano com tamanha crueza e sensibilidade. Confesso que fiquei profundamente intrigado. Enfim, por que temos que escolher? Ou ainda, por que as escolhas que temos nem sempre são fáceis?
É exatamente esta dúvida que o poeta americano Robert Frost expressou muito bem em seu poema “The road not taken” de 1916, quando mostra o dilema na escolha entre dois caminhos que se separaram em um bosque:
Dois caminhos se separavam em um bosque amarelo,
E, lamentando não poder seguir os dois,
E sendo apenas um viajante, muito tempo eu fiquei parado
E olhei um deles o mais distante que pude
Até que se perdia na mata;
Então eu tomei o outro, como sendo o mais merecedor,
E tendo talvez melhor direito,
Porque estava gramado e queria ser usado;
Embora os que por lá passaram
Os tenham realmente percorrido de igual forma,
E ambos ficaram essa manhã
Com folhas que passo nenhum pisou.
Oh, guardei o primeiro para outro dia!
Embora sabendo como um caminho leva para longe,
Duvidasse que algum dia voltasse novamente.
Direi isto suspirando
Em algum lugar, daqui a muito tempo:
Dois caminhos se separavam em um bosque amarelo, e eu…
Eu escolhi o menos percorrido
E isso fez toda a diferença.
Robert Frost, “The road not taken”
Finalmente, é na filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre que encontramos uma explicação consistente sobre o assunto. Apesar do título estranho, em sua obra “O ser e o Nada”, diz Sartre: “Eu estou condenado a existir além dos moventes e dos motivos do meu ato: eu estou condenado a ser livre. Isso significa que […] não somos livres de deixar de ser livres” (p. 515). Apesar de óbvio, é pelo fato de sermos livres que temos que realizar escolhas a todo momento. E a única escolha que não somos capazes de fazer é a de deixar de ser livre, ou de deixar de escolher. Assim, seja qual for o caminho que escolhemos, ou até mesmo, o caminho não escolhido, a responsabilidade será sempre de cada um de nós e de mais ninguém. É, portanto, impossível fugir da decisão.
Assim, podemos dizer que é na liberdade ou na capacidade de escolher que encontramos a mais particular característica do ser humano. Ao realizar uma escolha, atribuímos à decisão tomada um valor particular e pessoal que enche de significado o caminho escolhido. Isso nos permite encontrar a realização pessoal ou profissional na liberdade de nossas resoluções: ao decidir livremente por uma profissão, você também confere a ela um valor pessoal que te ajuda a encontrar satisfação e realização nas suas tarefas diárias. É o valor agregado à decisão que lhe garante a capacidade de concluir como o poeta: “e isso fez toda a diferença”.
Mas se somos forçados a tomar decisões, como expressão da nossa liberdade, por que é tão difícil decidir?
Talvez porque o próprio ato de escolher seja paradoxal. Assim como o poeta ensina, a cada caminho que escolhemos trilhar, também acabamos por renunciar a muitos outros caminhos possíveis. Enfim, como nos lembra o próprio Sartre, não agir, não decidir, ou ainda ficar parado no meio do bosque amarelo avaliando qual caminho tomar já é na verdade uma decisão. E assim como toda escolha, não fazer nada também tem as suas consequências. E talvez este seja o verdadeiro problema: a dificuldade em tomar certas decisões talvez esteja relacionada a uma limitação pessoal de aceitar os desdobramentos que dela decorrem. Mais que isso, talvez ainda não haja plena convicção acerca do valor de cada escolha a ser tomada.
Assim, decidir sobre o futuro se torna algo pesado. É natural que fiquemos indecisos quando o caminho se divide à nossa frente. E a escolha se torna especialmente mais árdua, quando não temos clareza sobre todas as dificuldades que encontraremos no caminho escolhido. Mas como nos lembra o poeta, não podemos ficar parados, e como viajante que somos, devemos olhar para os caminhos o mais distante que pudermos, escolher um deles e seguir em frente. Nos momentos em que a escolha se torna difícil, pense que nem sempre é possível saber qual é o destino final de cada rota que tomamos. Como viajante, aprenda a maravilhar-se com o caminho em que estiver percorrendo. Talvez a melhor parte da viagem nem esteja no seu destino final.
Referências
FROST, Robert. The Road not taken (O caminho não escolhido), 1916. Disponível em https://poets.org/poem/road-not-taken
SARTRE, Jean-Paul. L’Être et le N’éant – Essai d’Ontologie Phénoménologique (O ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica). Paris. Gallimard, 1953.
📷 Children with a Picture-book (1880 – 1910) | Jacob Simon Hendrik Kever (Dutch, 1854-1922) | Imagem reprodução