Pessoas difíceis nos fazem melhores
Há alguns anos, tive a oportunidade de ler um livro muito propício para o contexto em que vivia, cujo título era muito provocativo: “Quanto pior a pessoa com quem você convive, melhor para você”, do Padre Alir Sajaniotto. A princípio, o título gerou em mim indignação, pois estava, naquela época, convivendo com pessoas muito difíceis que, a todo momento colocavam minha paciência, autocontrole e autoestima à prova. Por outro lado, o assunto me provocou a comprar o livro para ver “no que isso iria dar”.
Nos últimos anos, venho aprendendo que quem vive em sociedade tem que aprender a lidar com pessoas difíceis. Não é fácil lidar com pessoas arrogantes, cujas opiniões pensam que vale mais do que a de qualquer um dos colegas. Não é fácil lidar com pessoas autoritárias, cujo seu discurso e jeito de ser é opressor e detonador da autoestima de qualquer um. Não é fácil lidar com pessoas que são oportunistas, que copiam suas ideias para se dar bem com o chefe e no mundo dos negócios. Não é fácil lidar com pessoas que, em happy hours, começam a discutir assuntos como política, religião e sociedade como se fossem “donos da verdade” com suas visões intolerantes e fechadas a ouvir a opinião do diferente. Aliás, para esses últimos, uma palavra de Santo Tomás de Aquino tem muito a nos ensinar: “Tenho medo de um homem de um livro só”. Em outras palavras, devemos ter medo de pessoas que seguem apenas uma linha de pensamento de maneira dogmática, impositiva e fechada apenas em suas convicções e sua própria ignorância.
No entanto, mesmo com toda crítica que tenhamos para com aqueles que são difíceis de lidar no dia-dia, não podemos negar que estes mesmos s nos oferecem uma ótima oportunidade de crescimento intrapessoal. Pessoas difíceis “apertam nossos botões”, nos “tiram do sério”, podem despertar nossos piores sentimentos, que continuam sendo os os “nossos sentimentos”. A relação intrapessoal pressupõe um mergulho em nossa interioridade, sendo a capacidade de reconhecer nossos sentimentos, nossas emoções. É a capacidade que se tem de “ olhar para dentro de si”. Pela relação intrapessoal somos capazes de nos auto respeitar, auto estimar e dar a devida manutenção a nossa auto imagem, sendo essa tão importante para nosso dia a dia, pois, por vezes, gastamos muita energia construindo relações de fachada com o objetivo de sermos aceitos e acolhidos pelo outro.
Lidar com o outro não é uma tarefa fácil. Nas palavras de Jean-Paul Sartre, “o inferno são os outros”. E por quê? Porque é pelo olhar do outro que reconhecemos nossa interioridade. O outro nos implica à busca do autoconhecimento, já que a convivência expõe nossas fraquezas, nossos medos, nossas inseguranças, nossa abertura ou não para o diálogo.
Nas palavras do filósofo empirista que elevou a percepção sensível dos cinco sentidos para o conhecimento das coisas, Berkeley, “ser é ser percebido”. E é o outro quem gera em nós a percepção de nós mesmos. Por isso, uma escuta e visão atenta do diferente nos faz perceber como estamos internamente. Como anda nossa autoestima, nossa impaciência, nossa relação com os outros? Por que me sinto tão incomodado com o diferente? Como a percepção do outro tem me afetado?
Nas palavras do professor e doutor em ciências sociais, Luís Mauro Sá Martino, “amar dá muito trabalho”. Uma das tarefas mais difíceis da nossa atual sociedade é saber amar. O amor é uma relação interpessoal que significa construir vínculos, construir relações e isso demanda tempo e percepção do outro. Um saudoso amigo, Padre Herculano Vaz, dizia: “é preciso gastar tempo com o outro”. E, numa sociedade que não nos dá um tempo de qualidade para relações saudáveis, o exercício do amor, da escuta e da alteridade é substituído pela posse, pelo ciúmes e pela “colonização” dos outros – o que nos leva ao cultivo de muitos mal-entendidos perante a imagem que formo de mim mesmo e daqueles que nos são difíceis.
Por fim, fico pensando, em uma das reflexões do livro mencionado no início do texto e, quando me deparo com àqueles com quem convivo e que me são desafiadores, me vem o seguinte pensamento: se essas pessoas são tão difíceis para mim, imagine o quanto elas devem ser difíceis com elas mesmas? Por isso o exercício do perdão consiste em duas vias: o autoconhecimento sobre minha dimensão intrapessoal diante dos sentimentos que o outro me provoca e a capacidade de acolher o mistério e a história que essas pessoas tiveram para que elas se tornassem tão duras consigo mesmas e com os outros. Amar, dá trabalho.
Referências
📷 Girl with a book (1882-83) | Emilia Dukszyńska-Dukszta (Polish, 1837-1898)