O poder de saber que não sabemos
A inscrição “Conhece-te a ti mesmo” ornamentava a entrada do Templo de Delphos, local em que a Pitonisa, uma sacerdotisa, proferiu que Sócrates era o homem mais sábio de Atenas.
A afirmação intrigou Sócrates, que passou a buscar uma explicação para aquela mensagem, pois não encontrava em si tamanha sabedoria, pelo contrário, tinha ciência dos seus limites. Passou a observar os sábios de sua época e eis que chegou a uma conclusão que mudou a história da filosofia ocidental.
O mais sábio é o que menos sabe
Na Atenas de seu tempo, Sócrates se deparava com pessoas que se diziam sábias e as observava com atenção. E ao questionar essas pessoas, as expunha pois as faziam perceber, na frente de todos, que o seu conhecimento não era tudo aquilo que diziam.
Foi então que Sócrates concluiu o enigma do oráculo do Templo de Delphos que o colocara como o mais sábio dentre os atenienses: ele tinha pleno conhecimento do que não sabia, enquanto os outros pensavam que sabiam o que na verdade não sabiam.
A força da fraqueza
Anos mais tarde, Paulo, o apóstolo e mártir cristão, tem uma frase intrigante e aparentemente contraditória: “é quando sou fraco que sou forte”.
Vejam que no contexto que tratamos aqui, existe uma importante coerência entre a conclusão de Sócrates e a afirmação de Paulo. Ao tomar ciência de sua falta de conhecimento, nos cabe buscar a sabedoria. E é nesse sentido que Paulo apresenta a sua tese.
Estar ciente dos nossos limites é o primeiro passo para o aprendizado e a mudança efetiva de nossas vidas. Um executivo que conheço sempre diz que prefere ser o mais burro entre os inteligentes do que o contrário. Porém, mudar essa chave não é tão simples.
O caminho de Paulo
Se por um lado, Sócrates buscou por meio da ironia perguntar até para aqueles que se diziam sábios terem que assumir a ignorância, Paulo propõe um caminho diferente.
Em suas cartas, podemos relacionar o “é quando sou fraco que sou forte” com o “tudo posso naquele que me fortalece”. Em outras palavras, se há consciência que eu tenho meus limites, posso contar com o outro que supre as minhas lacunas.
São duas formas de encarar uma situação semelhante, que no fundo chegam em um ponto comum: a humildade de reconhecer-se limitado. São como dois rios que desembocam no mesmo mar.
O poder de saber que não sabemos
É ilusão pensar que sabemos de tudo. E existe um vasto campo de reflexões na filosofia acerca do conhecimento, seus limites e como eles se dão em nós.
Os racionalistas dirão que só é possível conhecer a partir da razão. Os empiristas vão dizer que só é possível conhecer a partir da experiência sensível. Por sua vez, Kant diz que só podemos conhecer os fenômenos, mas nunca a coisa em si. Popper argumentará que não é possível a hipótese “todos os cisnes são brancos”, pois a observação de um único cisne negro pode torná-la falsa.
Em resumo, absorver a realidade de que somos limitados nos traz o poder de superar esses limites. Consigo focar no que realmente sou bom e buscar apoio em pessoas que são melhores que eu em outras áreas. Lembra quando se fazia trabalho em grupo na escola, momento em que cada membro do grupo foca na parte que desempenha melhor? Um na pesquisa, outro na redação e outro na apresentação oral. Sou do tempo que os trabalhos eram feitos à mão, e tínhamos uma pessoa com a melhor caligrafia para cumprir essa tarefa.
No trabalho, por vezes vemos se destacar pessoas com algumas habilidades específicas e, se não cuidarmos, treinamos todos para fazer a mesma coisa, ao invés de aproveitar as contribuições de cada um, conforme as suas habilidades.
Saber que as pessoas são diferentes, que não existe um jeito único de ser e que cada um pode ajudar a suprir os limites dos outros, nos torna humanos mais completos e uma comunidade mais inclusiva e forte.
Autoconhecimento e liberdade
Uma avaliação sincera nos levará à mesma conclusão de Sócrates. Pelo menos em alguns aspectos da vida. Não é possível saber tudo, discutir tudo e explicar sobre tudo. E quem já fez a experiência de assumir que não é o doutor de todas as matérias, sabe da liberdade de saber que não sabe e de não precisar correr atrás para manter uma imagem prestes a derreter.
Muitas pessoas se aprisionam na necessidade de mostrar que são o que não são, buscam um reconhecimento, e medem-se pela opinião do outro. Esse ciclo causa ansiedade e nos coloca uma máscara que nos tira a paz.
Ao contrário, a curiosidade de quem não tem medo de fazer uma pergunta básica, é como uma mola que pela propulsão nos leva cada vez mais alto, com mais criatividade, aprendizado, abertura e respeito ao diferente.
Referências
Kant, I. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores, Kant I).
Popper K. 1974. The Philosophy of Karl Popper. 2 volumes. La Salle, Ill: Open Court.
Reale, G. História da Filosofia Idade Moderna / Giovanni Reale, Dario Antisseri. São Paulo: Paulus, 1990.
📷 Temple of Apollo and Mount Parnassus in Corinth. From the journey to Greece (1905) | Jan Ciągliński (Polish, 1858 – 1913) | Imagem reprodução