O Hábito de deixar para depois

28 de fevereiro de 2022

Pense no seguinte cenário: seu chefe te pede um trabalho com um bom prazo para você entregar. Você olha na sua agenda e vê que tem tempo de sobra para desempenhar a tarefa solicitada. Mas, você foi deixando o tempo passar, priorizou outras coisas, como por exemplo, se distraiu com amigos, jogos no celular, sua série preferida na tv, suas redes sociais e, quando se deu conta, não teve como escapar, e começou a fazer a tarefa faltando poucas horas para terminar o prazo de entrega. Mas até esse ponto, você já sofreu bastante com o ato de procrastinar.

A procrastinação é o ato de deixar para depois ou prolongar uma ação para ser resolvida depois. Esse comportamento é normal pois, quem nunca adiou alguma coisa no seu dia a dia em algum momento de sua vida? Eu mesmo, para escrever este texto, procrastinei muito (risos), mas, agora decidi, partindo da minha experiência sobre essa questão, trazer a reflexão sobre o assunto.
Como dizia, o fato de deixar para depois ou adiar alguma coisa é próprio do ser humano e, isso é normal. O problema é quando essa ação se torna um hábito, e, tanto para a filosofia quanto para a psicologia, os hábitos contribuem para a formação de nosso caráter que, por sua vez, marcam nossa personalidade de maneira virtuosa ou viciosa.

Como assim, virtuosa ou viciosa? Segundo Daniel Lapsey e Darcia Narvaez, pesquisadores nas áreas de neurociência e psicologia moral, um hábito é uma disposição para responder a uma situação de certa forma, ou seja, a repetição torna automática a nossa maneira de proceder em diversas situações em nosso cotidiano. Por exemplo, quando estamos aprendendo a dirigir temos que pensar no processo que fará o carro andar. Mas, conforme vamos repetindo essa ação, ela se torna um hábito, de modo a não mais precisar pensar nos movimentos mecânicos como pisar no freio, acelerar, sinalizar para onde iremos, dentre outras coisas. as nossas ações. O ato de dirigir foi internalizado e, agora sobra a liberdade de escolher para que caminho seguir.

Os valores que vamos construindo não são muito diferentes do exemplo acima. Aristóteles, ao teorizar sobre a importância do hábito, argumenta que as virtudes morais não são uma parte natural da doação humana, mas devem surgir como resultado da repetição. Ou seja, nos tornamos solidários, à medida em que praticamos a solidariedade Já para a psicologia, diferentemente da filosofia, o foco não é tão ético, mas sim, comportamental, ou seja; a personalidade humana é marcada por rotinas e, por isso, o hábito é esse componente importante para compor os traços de nossa personalidade. Muda-se o hábito, muda-se o comportamento e consequentemente, somos afetados na forma de responder às diversas situações de nossa rotina. Mas, o que esse assunto tem a ver com procrastinação?

 

O hábito de procrastinar

O hábito de procrastinar tem gerado, sobretudo em adolescentes e adultos efeitos devastadores de ansiedade, estresse, angústia e frustração que comprometem a sua forma de responder às demandas do dia a dia, inclusive em seus projetos de vida. A professora da Faculdade de Psicologia da UFJF, Fabiane Rossi, explica que podem ser muitos os motivos que levam à procrastinação como “a preocupação excessiva com a própria capacidade de fazer as coisas corretamente, a falta de interesse na tarefa, a falta de organização ou até mesmo dificuldades na organização das atividades.” Segundo a professora, o fenômeno é motivacional e envolve aspectos individuais, e também ambientais. “Pode estar associada a aspectos como autoeficácia, impulsividade, baixo autocontrole e organização, distratibilidade e as crenças que o indivíduo tem sobre si e sobre a tarefa a ser realizada”. Em outras palavras, o hábito de deixar para depois, afeta nossa saúde física e mental.

Também o filósofo romano Sêneca nos alertou: “enquanto desperdiçamos nosso tempo hesitando e adiando, a vida se dissipa”.

É claro que não podemos confundir a procrastinação com o ócio necessário para combater o ativismo e o excesso de positividade do mundo atual. Em um de meus textos “ Um pouco de fracasso faz bem” trago um alerta para a pessoa extremamente atarefada e que tem, a todo momento, que “ bater metas”. Esse extremo também não é saudável e pode gerar o desgaste físico, mental e emocional do indivíduo. No entanto, a provocação de hoje é para o comportamento inverso que, em seu extremo, não tem contribuído para gerar uma vida feliz e saudável. Adiar e hesitar demasiadamente, tiram nossa paz interior e nosso equilíbrio emocional afetando nossa qualidade de vida, nossas relações, nossa credibilidade perante os outros e até nossos empregos.

 

Como lidar com a procrastinação?

Porém, como lidar com a procrastinação e com o péssimo hábito de deixar para depois? Um dos caminhos é a prática de cuidar dos hábitos, pois através da escolha consciente se faz necessário incluir hábitos e metas saudáveis a nossa rotina. É necessário contemplar no dia a dia, os diversos aspectos que nos fazem funcionar equilibradamente: físico, espiritual, social, profissional, emocional e intelectual, e assim, estabelecer hábitos que contemplem todos estes aspectos. Também ele aponta a importância de planejar a rotina, inclusive a profissional, o que nos permite uma maior ordem e menor incerteza na vida pois, quanto mais incertezas, maior o senso de ameaça e estresse.

Por fim, adquirir novos hábitos não é tarefa fácil, principalmente porque a procrastinação é um elemento que, inclusive, vai de encontro com o fato de superar a própria procrastinação. No entanto é possível vencer esse vício estabelecendo metas claras, organização e determinação. Também é necessário não se cobrar demais ou se punir por procrastinar dando prioridade ao valor e a importância do que precisa ser feito.

Nas palavras de Sêneca “Não é porque as coisas são difíceis que não ousamos, é porque não ousamos que se tornam difíceis.”

Referências

CAVALCANTE, Fabio. Um pouco de fracasso faz bem. Disponível em: <https://filosofiadiaria.com.br/provocacoes/um-pouco-de-fracasso-faz-bem/>. Acesso Acesso: 09 de Dezembro, 2021.

LAPSLEY; NARVAEZ. Charater Education. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/227555957_Character_Education>. Acesso: 08 de Dezembro de 2021.

LUDWIG; Petr. Disponível em: <https://vocesa.abril.com.br/carreira/autor-ensina-a-reverter-o-habito-de-adiar-tarefas-em-novo-livro-interativo/>. Acesso: 09 de Dezembro, 2021.

📷 Marie Fargues, the Painter’s Wife (1756 – 1758) | Jean-Etienne Liotard (Swiss, 1702-1789) | Imagem reprodução