Estou atento à vez do outro?
Mais uma briga no trânsito da cidade grande. São buzinas e tentativas de buscar alguma alternativa para superar o provável resultado disso tudo: ficar parado por horas até que as partes se resolvam. São dois indivíduos apenas, que argumentam cada um com a sua verdade, porém o caos está posto e dezenas de motoristas são impactados pela vontade de um ou dois.
O filósofo inglês Thomas Hobbes, disse que a filosofia deve ser aplicada na prática e buscar – como a ciência – o poder do homem. Cada pessoa é diferente e o egoísmo e a conveniência marcam a vida social. E, por sua vez, a vida social é marcada por estruturas que estão acima do indivíduo, como o governo, por exemplo. Para ele, “qualquer governo é melhor que a ausência de governo”.
Podemos imaginar como seria o mundo se cada um olhasse apenas para si mesmo, independente do outro? Ora, tenho sim liberdades individuais e posso tomar a decisão que quero, mas a nossa função social, seja ela qual for, também exige de nós algumas proibições.
Um exemplo real
O caso acima é um exemplo real. Aconteceu em São Paulo e foi em decorrência de um cidadão que se sentiu melhor, mais rápido ou mais sortudo que os outros e resolveu passar por um cruzamento quando o semáforo indicava a luz vermelha. Cá entre nós, como é a nossa reação quando alguém ultrapassa o sinal vermelho? Sim, costumamos frequentemente reprovar tal atitude.
A situação me causou sim algum impacto, mas em circunstâncias assim vejo ótimas oportunidades para tentar extrair algo de bom. Ao pensar no semáforo à luz de Hobbes e as suas ponderações sobre o individual e o coletivo, vejam que a nossa liberdade está estruturada no respeito à liberdade do outro, ou seja, a observar a vez do outro.
O semáforo e as lições de alteridade
Alteridade é um termo que vem do latim alteritas, que considera que o ser humano social interage e é interdependente do outro, na relação entre o “eu” e o “outro”.
O semáforo nos permite avançar e parar, porém a luz vermelha (pare!) do semáforo, na maioria das vezes, está no topo. Isso é extraordinário, porque nos ajuda a perceber que antes do meu direito de ir e vir, preciso observar o direito do outro. E nessa dinâmica, me convido a pensar sobre:
- Quando é minha vez?
- Quando é a vez do outro?
- Estou atento à vez do outro?
Me lembro uma vez durante uma reunião na sala de um executivo, no centro da mesa a sigla “NI” estava marcada em um pequeno papel. Após a reunião, não me contive e perguntei o que era aquilo. Sem hesitar, a explicação foi fácil, rápida e bem humorada. Significa “Não interrompa!”, disse ele. E continuou: “percebi que durante as reuniões tenho o péssimo hábito de interromper enquanto os outros falam e resolvi deixar esse bilhete para me ajudar a melhorar”.
Talvez seja o caso de ouvir mais do que falar. De buscar entender as necessidades dos outros com empatia e generosidade. Essa talvez seja a lição que poderia ter reduzido o calor das emoções momentâneas e evitado o conflito que levou centenas de pessoas a se atrasarem nos seus compromissos.
Referências
📷 On the Stile (1878) | Winslow Homer (American, 1836-1910) | Imagem reprodução