Entregar-se ao destino ou construir a si mesmo?

14 de outubro de 2024

Ao revisitar alguns livros de filosofia que tenho há mais de 20 anos, encontrei uma resenha do “Discurso sobre a Dignidade do Homem”, obra do século XV de Giovanni Pico della Mirandola. E é sobre ela que vamos tratar um pouco nas próximas linhas.

 

Um filósofo pouco conhecido

Se você digitar “filósofo” no buscador de sua preferência, dificilmente encontrará o autor que trataremos hoje. Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), também chamado apenas de Pico, foi um filósofo e humanista italiano do Renascimento, conhecido por sua vasta erudição e por suas contribuições para a filosofia, teologia e misticismo.

 

O ser humano como autoconstrutor

A filosofia de Pico parte do encantamento sobre a natureza do ser humano, que parecia aos orientais como o milagre mais admirável deste mundo. No trecho que pode ser encontrado no segundo volume da obra História da filosofia, de Antiseri e Reale, conforme Referências no rodapé deste texto, temos um resumo desse pensamento.

“Todas as criaturas são ontologicamente determinadas a serem o que são e não outra coisa, em virtude da essência precisa que lhe foi dada. Já o homem, único entre as criaturas, foi posto no limite entre os dois mundos, com natureza não predeterminada, mas constituída de tal modo que ele próprio se plasmasse e esculpida segunda a forma pré-escolhida”.

Em outras palavras, o autor expõe sobre a capacidade do ser humano de ir além do determinismo, mas de sua capacidade de sair da mediocridade e buscar a elevação. Ele continua:

“Assim, o homem pode se elevar à vida da pura inteligência e ser como os anjos, podendo inclusive elevar-se ainda mais acima. Desse modo, a grandeza e o milagre do homem está no fato de ele ser artífice de si mesmo, autoconstrutor.”

O ser humano e a sua capacidade de vir a ser

Não nos cabe aqui aprofundar o debate filosófico sobre o potencial antropocentrismo que Pico traz em seu pensamento, mas em refletir sobre a nossa real capacidade de superar barreiras e não nos reduzir à ideia de destino.

Bons exemplos nos trazem pensadores como Jean-Paul Sartre e Martin Heidegger, que apresentaram teorias em que os seres humanos são responsáveis por criar seus próprios significados e valores na vida. Isso implica, na prática, que as pessoas têm o poder de escolher quem desejam ser e como desejam viver, assumindo a responsabilidade por suas próprias escolhas e ações. Leia mais sobre isso no texto “Por que é tão difícil fazer escolhas?”, do meu colega Paulo Valle.

Já Spinoza, nos apresenta as delícias de uma vida com liberdade interior, entendida como um caminho e não exatamente como um ponto de chegada. Leia mais sobre esse tema no texto “A liberdade interior é possível?

Por fim, pode ser tarefa árdua e custar um tempo considerável, mas podemos ser os protagonistas da nossa história. Que tal começar definindo o seu propósito?

Referências

Antiseri D. Reale, G. História da filosofia. Volume 2. Ed. 6. São Paulo: Paulus: 2003.

📷 An Allegory Of Sculpture (17th century) | Tuscan School | Imagem reprodução