É possível ser indiferente aos problemas?

24 de agosto de 2020

Durante o ano de 2020, somos marcados por uma série de acontecimentos que assolam a humanidade. Catástrofes naturais, pandemia decorrente da COVID 19, escândalos políticos, depressões econômicas, a fragilidade mercadológica e comercial, desemprego e as incertezas sobre o futuro, tem gerado diversos problemas emocionais e sociais tais como depressão, ansiedade, insônia, transtornos, dentre diversos outros problemas que assolam a sociedade global.

Diante de todos esses problemas, uma corrente da filosofia helênica chamada estoicismo, tem muito a nos ensinar, sobretudo com a seguinte pergunta:

É possível ser indiferente diante de todos os acontecimentos que fazem parte de nossa existência?

Em busca da felicidade

No período de transição da filosofia antiga para a idade média, surgiu no Império Macedônico um grupo de filósofos que tinham como principal reflexão, uma vida feliz.

Esses filósofos denominados helenistas, vinham de vários locais sob domínio de Alexandre, o Grande (356 – 323 a.C) e tinham por característica a excentricidade diante dos apelos e convenções sociais da época. Mas, de todas as correntes helênicas, uma me chama a atenção; o estoicismo.

A Escola Estoica foi fundada em Atenas, em 300 a.C., por Zenão de Cítio (344-262 a.C.) e desenvolvida por Cleantes (330-232 a.C.) e Crisipo (280-206 a.C.). Em Roma, os principais representantes do estoicismo foram Sêneca (4 a.C.-65d.C.), Epicteto (60-138) e o imperador Marco Aurélio (121-180).

Resumidamente, o estoicismo ensinava que o homem deveria viver indiferente aos problemas da vida, desprezando os prazeres e cultivando uma sabedoria voltada para a ordem da natureza.

Em um primeiro momento, podemos pensar que uma pessoa estoica é insensível aos problemas, aos sofrimentos, as dores e aos acontecimentos mais perplexos que podem acontecer com ela, tendo até mesmo uma conotação pejorativa perante o que é ser estoico diante da sua tranquilidade inerente ao seu eu.

Mas, será que o estoicismo é apenas isso? O que teríamos a aprender com a tranquilidade de um estoico diante dos acontecimentos que a vida nos gera e que fogem do nosso controle e da nossa capacidade de resolver?

O caminho para a harmonia maior

Se formos investigar os textos desses filósofos, perceberemos que o estoicismo é muito mais amplo do que a capacidade de negar a complexidade. Uma das máximas do estoicismo é “viver de acordo com as causalidades da natureza”. Para um estoico a natureza é um sistema complexo, uma ordem necessária chamada pelos filósofos gregos de Logos.

A natureza possui uma racionalidade plena na qual todas as coisas concorrem para uma harmonia maior que pode ser chamada até mesmo de Deus. Diante desse sistema, cabe ao filósofo entender e harmonizar-se com essa realidade única e inegável ao ser humano.

Entretanto, se tudo é uma sintonia com uma harmonia maior, os estoicos dirão: é possível sermos felizes nesta vida já que tantos males nos assolam?

Trazendo um pouco para nosso contexto do 2020, com tantas tragédias, COVID19, explosão em Beirute, tragédias de causas naturais tais como furacões, enchentes, nuvem de gafanhotos, escândalos políticos, como podemos alcançar a felicidade se não conseguimos controlar as coisas que estão além da nossa capacidade de decidir?

Segundo os estoicos, sim. É possível sermos felizes mesmo diante de todos os males que afligem nosso mundo. Entretanto é preciso saber dirigir a nossa vida de acordo com a natureza e isso só é possível se nos adequarmos ao que os estoicos chamam de providência.

Aceitar a ordem natural das coisas

Essa providência não se trata de esperar que alguém, ou alguma realidade transcendente, atenda as nossas necessidades. Essa providência é, justamente a aceitação da própria ordem natural das coisas e de nossa incapacidade de modificá-la e por isso, cabe a nós criarmos uma harmonia em nós e em nossa alma que corresponda com a harmonia da natureza.

A sabedoria dos estoicos nos mostra também que o segredo da felicidade é capacidade de distinguir o que está em nosso controle e o que não está. Durante esse ano estamos percebendo que não temos controle da economia, não temos controle das perdas vitais decorrentes da COVID-19, não temos controle dos sentimentos das pessoas ao nosso redor, não temos controle das tragédias, não temos controle da garantia do nosso emprego, não temos controle dos planos futuros, pois, o mundo está abalado diante do momento histórico que vivemos.

Nas palavras do professor Maurício Marsola, nos perturbamos o tempo todo tentando modificar aquilo que não pode ser modificado, ou seja, aquilo que não está em nosso poder e nos esquecemos do que está em nosso poder.

Então, o que está, segundo os estoicos, em nosso poder?

A felicidade é um estado que requer cuidar do nosso interior e, este, conseguimos mudar.
Está em nosso poder a nossa interioridade. A interioridade é a atitude interior de mudança quando assumimos a nossa fragilidade e impotência perante a impossibilidade de controlar as coisas e acontecimentos externos a nós. De um modo mais concreto, eu não posso mudar as atitudes do meu chefe, mas posso mudar a minha atitude perante meu chefe.

Eu não posso mudar a pressão que meu trabalho me causa diante de suas demandas. Mas, posso escolher se quero encarar minha rotina de trabalho controlando a ansiedade ou deixando ela me causar insônia, preocupação e estresse.

Eu não tenho controle sobre o humor das pessoas, mas tenho controle sobre o meu humor na relação com as pessoas. Eu não tenho controle de garantir a paz e a harmonia de nossa sociedade caótica, mas, pela interioridade, posso escolher cultivar o caos ou a paz interior diante de todos os problemas externos que me afetam. Eu não posso controlar o amor do outro, a amizade do outro, mas posso controlar o meu amor e amizade pelos outros.

Por fim, a vida indiferente tão defendida pelos estoicos, nos mostra que a atitude interior de aceitar o que não podemos mudar, não é indiferença, mas sim trabalho interior. A felicidade é um estado que requer cuidar do nosso interior e, este, conseguimos mudar.

Não poderia encerrar esse artigo sem deixar de recitar uma oração simples mas que, de modo estoico, sintetiza a mensagem que esse texto transmite: “Dai-me a serenidade de aceitar as coisas que não posso mudar; a coragem de mudar as coisas que posso mudar e, a sabedoria para reconhecer a diferença”.

Referências

📷 The bee friend (1863) | Hans Thoma (German, 1839-1924) | Imagem reprodução