Da autossabotagem

21 de setembro de 2020

Sabotagem é o ato de prejudicar uma instituição, governo, um grupo de pessoas, ou até mesmo uma única pessoa de forma velada sem que ninguém perceba o seu ato. Talvez por influência das histórias, seja dos cinemas ou dos livros, associamos a sabotagem como uma ação de uma pessoa para outra, onde o sabotador acaba infringindo grandes danos e perdas no protagonista ou em outro personagem da trama, afinal quem iria sabotar a si mesmo?

Por definição, a sabotagem funciona sem que ninguém perceba suas causas, portanto, já parou para pensar se você (ou eu) não pode acabar se sabotando? Será que eu poderia ser vítima e ao mesmo tempo autor de uma autossabotagem?

Recentemente, tive a satisfação de conversar com dois amigos que tive na infância. Há anos não tínhamos uma boa prosa, mas pela sorte de um feliz acidente, estávamos nós três em um grupo do Whatsapp falando ao mesmo tempo. Imediatamente, criamos um grupo para que pudéssemos conversar mais livremente sem importunar os demais participantes.

Começamos a contar sobre os rumos que tomamos em nossas vidas após os anos de estudos elementares. Notei uma clara diferença no discurso de cada um destes meus dois amigos, que me lembraram os tempos de estudo da filosofia clássica.

O primeiro possuía sua própria empresa que – com anos de trabalho árduo – chegava ao topo do mercado regional. Com um olhar desgastado e sofrido, descreveu algumas situações difíceis que enfrentou, mostrando-se sempre muito preocupado com o mercado, com a concorrência e com os gostos de seus clientes.

Era fácil notar sua dedicação à companhia que fundara, mas logo confessou que estava cansado. Sentia-se sozinho, levando um grande peso nos ombros e que o sucesso que atingiu profissionalmente não se refletia nem um pouco na sua realização pessoal e familiar.

Por sua vez, o segundo tinha um olhar jovem e viril. Gabava-se de ter se tornado um dos mais jovens gerentes de uma multinacional. Trilhando sua carreira por cargos e setores estratégicos de várias empresas, alcançou um patrimônio considerável, nos enviando fotos de seus carros e lugares inesquecíveis em que esteve.

Demorou um pouco para que admitisse que estava preocupado com o seu futuro: “Sempre me posicionei de forma segura nos cargos e empresas que trabalhei, mas agora as empresas têm mudado o formato de negócios e me deixado de lado. Não me adaptei as mudanças.”, disse.

Enquanto lia suas mensagens na tela do meu celular, a inscrição do pátio do templo de Apolo em Delphos não saía da minha cabeça: “Conhece a ti mesmo”.

Foi então que percebi que a falta de conhecimento de si mesmo tornara-se uma sabotagem contra eles mesmos. Investiram a vida na carreira e nos negócios e esqueceram-se do menino sonhador e de gostos ousados que se divertiam jogando futebol na praça da escola.

Ao querido leitor, peço humildemente, que não me entenda mal: não sou contra carreiras, empresas ou trabalho árduo. Mas preciso frisar que dou mais valor ao simples ensinamento de Jesus: “onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração” (Mateus 6:21).

A sabotagem sempre tem um apetitoso atrativo, uma armadilha que inicia todo o processo. Talvez, o sucesso os tenha atraído. O trabalho duro e o desenvolvimento profissional os aprisionou. E agora, notaram que o coração estava vazio e cansado. Acabaram se auto-sabotando na vida e apesar de tudo que conseguiram, ainda não são nada.

A Boa Notícia é também um alerta: os heróis sempre têm tempo para identificar a sabotagem e revertê-la. Nunca é tarde para aventurar-se dentro de si mesmo, conhecer-se, e encontrar aquilo que motiva a sua vida.

Portanto, desarme as armadilhas que acabou criando para si mesmo. Tire o peso das ombros; é mais fácil caminhar na liberdade, movido pelos ventos que impulsionam o seu barco para o caminho correto.

Se é verdade que onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração, não se esqueça que chegar ao seu coração, também lhe trará um grande tesouro.

Referências

📷 Springtime of Life (1871) | Jean-Baptiste-Camille Corot (French, 1796 – 1875)