Como me relacionar sem julgar os outros?

21 de fevereiro de 2023

Ainda jovem, uma passagem bíblica martelava os meus pensamentos. Dizia Jesus que primeiro devemos tirar a trave do nosso olho, antes de olhar para o cisco que está no olho do outro.

Ora, muitas vezes nós apontamos os pequenos erros das pessoas quando poderíamos canalizar energia para resolver os nossos. Porém, é muito fácil estufar o peito e falar que somos totalmente livres de julgamentos, mas na prática não é fácil assim.

Todos sabemos os malefícios e o quanto nos tornamos chatos apontando (ainda que mentalmente) os defeitos dos outros, mas a pergunta que fica é: como me relacionar sem julgar os outros?

 

O julgamento é algo natural

Precisamos entender que nós somos humanos e o julgamento faz parte da gente, é quase que algo intuitivo e por isso a opção por não julgar os outros é um trabalho que levará a vida toda e, durante esse período, vamos acertar e errar.

De acordo com a psicóloga de Harvard, Amy Cuddy, em artigo do portal Learning Mind, o que parece ser um julgamento de uma fração de segundo de alguém é, na verdade, nós mesmos nos perguntando se podemos confiar na pessoa, que é uma questão baseada no instinto de sobrevivência, e se devemos respeitar essa pessoa, mais relacionada a reputação.

O segundo passo é entender que muitos desses julgamentos são formados ao longo da minha vida. É a nossa história e as relações que tivemos que muitas vezes vão direcionar os julgamentos que temos.

Quando eventualmente “não vou com a cara” de uma pessoa ou tenho dificuldade em lidar com determinado comportamento, isso às vezes se refere a situações passadas que, muitas vezes, nem nós mesmos temos conhecimento pleno, conclui pesquisa da Universidade de Cornell.

Precisamos compreender o julgamento como algo natural. Isso não quer dizer que eu queira julgar ou concorde com isso, mas preciso entender que às vezes o julgamento ocorre independente da minha vontade e isso acontece num instante.

Por exemplo, assim que vejo uma pessoa, imediatamente ocorre uma conversa comigo mesmo: “poxa, essa pessoa de novo?”, “ah, essa me irrita por que fala muito (ou pouco)”, etc.

Mas então, como lidar com esse tipo de situação?

 

A sabedoria monástica

Os monges antigos, conta Anselm Grün (2016), usavam uma ferramenta interessante que era buscar lemas de vida positivos para lidar com julgamentos negativos. Uma vez que o pensamento é o que chega primeiro, entender quais são os principais pensamentos que tenho e os julgamentos que tenho é o primeiro passo para lidar com esses pensamentos.

Fica a sugestão aqui de anotar os julgamentos. Durante um período, é aconselhável uma auto percepção para tentar trazer à luz os julgamentos. Num primeiro momento, não podemos controlar os pensamentos, mas podemos quando nos damos conta do julgamento tentar entender quem são as pessoas que nos abrem o gatilho para os pensamentos ruins e, principalmente, quais atitudes dessas pessoas me fazem ser tão crítico.

Na outra coluna, escreva frases positivas para lidar com determinada situação. Os monges tinham na Bíblia – em especial em Provérbios e Salmos – uma série de trechos que sempre estavam na ponta da língua para quando os julgamentos aparecem. Atualmente, veja que não é muito diferente. São muitas as páginas na internet que trazem frases, pensamentos e reflexões de filósofos, pensadores, artistas, dentre outros, com o objetivo de inspirar positivamente as pessoas. No Filosofia Diária também temos as nossas Doses Diárias, com o mesmo objetivo.

 

A prática leva ao hábito, que molda o comportamento

Numa folha de papel, escreva numa coluna os julgamentos e na mesma linha uma frase que ajude você a contornar ou frear esse pensamento. O passo seguinte é praticar.

Se num primeiro momento parece difícil até de perceber que estamos julgando, à medida em que nos comprometemos a percorrer esse caminho vamos tornando quase que um lema de vida e facilita todo o processo.

Com o tempo, vou me perceber cada vez mais cedo e aos poucos isso se transforma num hábito e assim, deixa de ser uma preocupação ou esforço, mas – pelo contrário – vai se tornando até um traço da minha personalidade e da forma como eu encaro as circunstâncias da vida.

Porém, vale lembrar que esse é um processo que pode durar meses, e, portanto, precisamos nos respeitar e sermos compreensivos e empáticos conosco mesmo, pois por mais que nos esforçamos, nem sempre acertamos. Uma dica para começar é analisar a lista de julgamentos e buscar uma única frase, um lema de vida.

Referências

Grün Anselm. Autopersuasão: Como lidar com nossos pensamentos. Ed. Vozes. São Paulo, 2016.

📷 Neighborly Gossip (c. 1880 – c. 1907) | Bernardus Johannes Blommers (Dutch, 1845-1915) | Imagem reprodução