Como lidar com o medo da morte?
Sêneca, na obra Aprendendo a Viver, nos deixa um ensinamento sobre a vida e sobre a morte. Diz ele que “pensamos que a morte é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado. Qualquer tempo que já passou pertence à morte”. E ele aponta isso como uma falha nossa, pois perdemos tempo no presente com medo da morte no futuro.
Penso que nossa cultura ocidental tem muito a aprender sobre a morte.
Por vezes, o medo do inferno, da perda de uma pessoa querida, de como será o mundo sem a minha presença, ou mesmo a necessidade de deixar um legado, nos tira o foco do conselho de Sêneca, de que a morte não necessariamente é um ponto de chegada, mas está presente à medida que o tempo que passou não vai mais voltar.
Por isso, o foco no presente e perceber-se vivo em cada momento, aberto às ações, sensações e prazeres cotidianos, faz com que a nossa vida valha a pena. E viver intensamente o presente não é uma desculpa para comprar tudo o que me dá vontade ou atender os meus instintos primitivos, pelo contrário, é atribuir significado, separar o que é bom do que não é, do que faz daquele momento o ideal, pois a vida pode ser vista como um espiral eterno.
A vida é um Espiral eterno
Heráclito foi um pensador nascido no século VI a.C., em Éfeso, na Ásia menor. Foi chamado de “o obscuro” por causa da complexidade de seu pensamento enigmático e destacou-se como o primeiro representante do pensamento dialético.
O centro do pensamento de Heráclito está na experiência do Devir, ou seja, o vir a ser. Em outras palavras, ele dizia que tudo o que existe está em constante transformação ou mudança. É dele a famosa frase “as coisas são como um rio, nada é permanente” e também a frase “não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio porque as águas renovam-se a cada instante.”
Ele dizia que se você entrar no rio pela segunda vez, a água já não vai ser a mesma, e você também não, porque seu corpo se modificou, as células mudaram, provavelmente caíram alguns fios de cabelo, etc. E ele também vai destacar que o Devir é na sua essência a polaridade (luta dos contrários).
Veja que interessante, ele diz que frio e quente, dia e noite, bem e mal, verão e inverno, vida e morte, enfim, tudo está relacionado aos polos opostos em confronto. Por exemplo, o seco confronta o úmido e torna-se uma terceira coisa que não é nem um e nem outro. Uma tese confrontada por uma antítese torna-se uma síntese, que é uma nova tese que gera nova antítese e nova síntese, e assim por diante até o infinito, num movimento em espiral.
E, nesse sentido, observar a nossa vida e as mudanças que nos cerca é perceber-se num espiral. O tempo como conhecemos (passado, presente, futuro) se confronta ao tempo como é percebido. De certo modo, uma conquista profissional é tão importante quanto o primeiro desenho do Dia das Mães de uma criança na escola primária.
Muitas vezes, alertar a nossa ansiedade, ou medo de uma frustração no futuro, lembrando que de certo modo, saímos do nada e chegaremos a lugar nenhum, ajuda a entender e viver o momento presente, à luz de um propósito significativo.
A morte não é um ponto de chegada
Em seu Sermão da Montanha, Jesus fala da esperança futura com atos concretos na vida presente. Não trata-se de uma mera expectativa que torna a vida uma angústia, instável, com medo do futuro, e uma posição passiva, que nos leva a uma fantasia ou sonho do porvir. Pelo contrário, o ensinamento é para a construção do futuro, viver uma vida boa no presente, com valores, sem ressentimentos, e com sabedoria conduzindo as preocupações cotidianas.
É buscar a curiosidade e ingenuidade da criança que está em nós e por vezes, a nossa necessidade de parecer ser importante para ter a aprovação dos outros, nos coloca como donos da razão e fechados para o infinito aprendizado que a vida pode nos oferecer a cada dia.
Deste modo, compreender que a morte não é um ponto de chegada, mas que o futuro reflete as escolhas do presente e que cada momento é importante, pois passará e por isso “morrerá”, desconstrói a ideia de que a morte é algo temeroso ou futuro e nos permite colocar o foco na vida, vivendo o momento presente com propósito e significado.
A soma de momentos prazerosos, torna a vida prazerosa.
Referências
ANTISERI D., REALE G. História da filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus: 2003.
COTRIM, G.; FERNANDES, M. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
MONDIN B., Curso de Filosofia, os filósofos do ocidente. Volume 1. São Paulo: Paulus: 1981.
SÊNECA. Aprendendo a Viver. Porto Alegre: L± 2017.
📷 Self-portrait with fiddling Death (1872) | Arnold Böcklin (Swiss, 1827-1901)| Imagem reprodução