Ano Novo, tempo de semear projetos de vida

1 de janeiro de 2022

Um ano novo se inicia, e com ele vem novas esperanças, propósitos, desejos e oportunidades de mudança em nossas vidas. A cada réveillon – palavra que deriva do verbo “acordar”, em francês – se tem um tempo oportuno para refletir sobre nossos projetos de vida. Nas palavras do filósofo Soren Kierkegaard, “a vida só pode ser compreendida, olhando para trás; mas só pode ser vivida, olhando para frente”.

O ser humano é um ser de projetos e não faz parte de sua existência alcançar uma vida feliz sem planejamento e ação.

Estava pensando como começar essa provocação filosófica e, em minhas reflexões sobre projeto de vida, veio o ensinamento cristão da “Parábola do Semeador”. Resumidamente, um homem saiu a semear, e as sementes caíram em quatro lugares: algumas sementes caíram no meio do caminho e os pássaros as comeram; outras, caíram em meio às pedras com pouca terra, e a sementes brotaram rápido, mas o sol as secou por não terem raízes profundas; outras, caíram em meio aos espinhos e, logo quando cresceram, foram sufocadas e não conseguiram sobreviver e, por fim, algumas caíram em terra boa se desenvolvendo, crescendo e produzindo seus frutos.

Longe de fazer uma análise teológica e religiosa, essa parábola é rica em ensinamentos sobre nossos projetos de vida. Ela mostra como, muitas vezes, nossos projetos de vida são “comidos pelos pássaros”, “queimados pelo sol” e “sufocados pelos espinhos” que representam a nossa falta de comprometimento, estabilidade, cuidado e planejamento.

Mas, e as sementes que caíram em “terra boa”? É muito difícil para um filósofo que não vem do campo e que teve a maior parte de sua vida construída na realidade urbana, definir o que seja uma “terra boa”, mas, imagino que esta seja um lugar fértil, rico em nutrientes e preparado para receber as sementes, que serão cuidadas, regadas, adubadas, protegidas de pragas para assim, se desenvolverem e gerar seus frutos. Os frutos bons são resultados de um processo e não apenas de cuidados ou ações individuais e esporádicas.

O projeto de vida não é muito diferente da parábola do semeador. Todo ano fazemos promessas, que muitas vezes se perdem no decorrer de nossa rotina. Assumimos propósitos como emagrecer, estudar, melhorar as relações, ganhar dinheiro, ser uma pessoa melhor, fazer atividade física, dentre outros, que, como as sementes que caem no meio do caminho, são comidas pelos “pássaros” da nossa instabilidade emocional, nossa falta de organização e disciplina de se manter com foco em nossos objetivos.

Projetos de vida sem organização são engolidos no meio do caminho e acabam ficando, mais uma vez, para o “próximo ano” e nunca será diferente até nos comprometermos com o projeto de vida como uma bússola para orientar nossas ações no dia a dia

 

Os riscos do imediatismo

Um dos pesquisadores mais renomados em Psicologia Moral, William Damon, ao definir o que seja um projeto de vida, diz que este é uma “intenção estável e generalizada de alcançar algo que ao mesmo tempo é significativo para o eu e que gera consequências no mundo além do eu”. Em outras palavras, o projeto de vida tem que ser uma intenção estável. Na parábola do semeador, existem as sementes que caíram nas pedras e com pouca terra. Essa parte da parábola pode ser comparada com as pessoas imediatistas.

Damon (2009) destaca que perspectivas imediatistas não ajudam a definir uma identidade própria que estabeleça coerência entre passado e futuro, tampouco conseguem inspirar um projeto de vida. Os imediatistas são “queimados pelo Sol” de sua superficialidade e falta de conexão com sua identidade. Segundo o autor, as perspectivas imediatistas mostram-se fundamentais no encadeamento de ações, mas certamente não são capazes de criar condições que geram constância e satisfação duradoura.

 

A gestão do tempo e das emoções

Outra dimensão da parábola que enriquece nossa reflexão é sobre as sementes que caíram nos espinhos e, quando cresceram foram sufocadas. Podemos dizer que não se constrói um bom projeto de vida sem a organização do tempo e o gerenciamento de nossas emoções. Uma das maiores reclamações das pessoas hoje em dia é a falta de tempo, porque se sentem “sufocadas” pelo trabalho, família, estudos, rotina, etc. Mas será isso mesmo?

Segundo o pesquisador e psicólogo Tim Pychlyl, da Universidade de Carleton, no Canadá, a procrastinação (hábito de deixar para depois) é um dos maiores ladrões de tempo e produtividade. Pychlyl explica que a procrastinação pode afetar não só a saúde mental, como a física também. Para ele, não se trata apenas de uma questão de tempo, mas de falta de organização e gerenciamento emocional, como beber para “afogar as mágoas”, ou comer para “esquecer o ex”, coisas que causam distrações e compensação do mal estar no curto prazo. Metaforicamente, a procrastinação são os “espinhos” da parábola que, sufocam, frustram e nos impedem de desenvolver efetivamente os projetos de vida.

A semente que cai em terra fértil

Por fim, mais um ano que se inicia e é mais uma oportunidade de dar sentido à nossa existência. Começar refletindo sobre nossos projetos de vida é, como diria Viktor Frankl, uma busca de transcendência e, esse caminho se traduz em metas e projetos singulares para que nossos propósitos tomem forma viva no mundo.

Uma semente que cai na terra fértil, comparando com as palavras de Bronk, é marcada pelo compromisso, direcionamento a metas, sentido pessoal e, a impactar o mundo para além de si.

Por isso , o desejo é que neste ano, possamos começar bem, olhando para dentro de nós, mas com projetos de vida que nos leve para além de nós mesmos. O projeto de vida é uma oportunidade de escolhermos a terra fértil com cuidado e conectada com as nossas necessidades mais profundas de realização, tendo como resultado, como diria na parábola do semeador, a produção de “trinta, sessenta e até cem vezes mais do que tinha sido plantado”. Um bom ano a todos.

Referências

ARANTES, V. A.; DANZA, H.; PINHEIRO, V. & PÁTARO, C. S. O. (2016). “Projetos de vida, juventude e educação”. International Studies on Law and Education, v. 23, p. 77-94.

ARAÚJO, U. F. (2009). Apresentação à edição brasileira. In: DAMON, W. O que o jovem quer da vida? Como pais e professores podem orientar e motivar os adolescentes. São Paulo: Summus, p. 11-15.

A Parábola do Semeador. Disponível em: <https://www.biblegateway.com/passage/?search=Mateus%2013&version=VFL>. Acesso em: 02 set. 2021.

BRONK, K. (2014). Purpose in life: a critical component of optimal youth development. New York: Springer Science.

DAMON, W. (2008). The path to purpose: helping our children find their calling in life. New York: Free Press.

______. (2009). O que o jovem quer da vida? Como pais e professores podem orientar e motivar os adolescentes. São Paulo: Summus.

ENSINO E OPORTUNIDADES. A Procrastinação é apontada como o principal mal dos estudantes. Disponível em: <https://www2.ufjf.br/noticias/2017/04/27/procrastinacao-e-apontada-como-principal-mal-entre-estudantes/> Acesso em: 29 set.  2021.

FRANKL, V. E. (1946). Man’s search for meaning: An introduction to logotherapy. Boston: Beacon.

______. (1991). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 15. ed. Petrópolis: Vozes.

📷 Carting hay with a view of the village and the church | Adolf van der Venne (Austrian, 1828-1911) | Imagem reprodução