A verdade e as minhas verdades
Um ponto de vista nada mais é do que a vista a partir de um ponto, desconsiderando os demais. Quem enxerga apenas a tromba de um elefante, corre o risco de confundir um elefante com uma cobra. Parece absurdo, mas talvez isso esteja mais presente do que imaginamos.
A internet potencializou o que os estudos de comunicação empresarial das décadas de 1990 e 2000 chamavam de “Silos de Comunicação”, em que os departamentos ficavam isolados entre si, com dificuldades na visão do negócio como um todo. O modo como o ambiente virtual funciona, na prática, cria pequenos silos de pessoas com interesses comuns, que quando levado ao extremo pode levar ao fanatismo e ao “cancelamento” da visão do diferente.
Na Alegoria da Caverna que pode ser lida aqui, Platão relata que por vezes estamos presos em um ambiente, de costas para a realidade e nos convencendo sermos os donos da razão a partir das sombras que vemos das coisas, sem o esforço necessário para adquirir o conhecimento, a sabedoria e a busca pela verdade.
Pode até parecer uma profecia de Platão, mas o que se vê ao longo da história é justamente essa dificuldade em abrir-se para o conhecimento das coisas, a partir de um aprendizado contínuo.
Por sua vez, Sócrates observava as pessoas que se diziam sábias e as questionava até expô-las ao ridículo, concluindo mutuamente que os seus conhecimentos não eram tudo aquilo que diziam. Inclusive o seu próprio, o que o levou a concluir que tinha pleno conhecimento do que não sabia, enquanto os outros pensavam que sabiam o que na verdade não sabiam.
Na prática, buscar a verdade por meio da sabedoria e conhecimento nos eleva a buscar ir além do que conhecemos como “minha verdade”, mas é um caminho que requer esforço.
Por que buscar a verdade?
A verdade é uma importante base para a construção de uma sociedade com justiça e ética. É a partir dela que – do ponto de vista pessoal – tomamos decisões e construímos propósitos que entendemos ser a maneira correta de viver a vida. A ciência e a religião, cada qual a seu modo, buscam a verdade como fundamento para uma direção na vida e no desenvolvimento social.
Portanto, negar a abertura para “a verdade” e limitar-se às “próprias verdades” é uma forma de reducionismo e um risco de absolutismo, que gera preconceitos ou conceitos distorcidos, pois atribui ao todo a visão de uma parte.
A busca pela “Verdade”
Voltando para Platão, o filósofo é o indivíduo que busca libertar-se da mera opinião e/ou aparência, mas que busca a verdade das coisas. É um caminho árduo e que requer muito discernimento, pois nem sempre opinião e verdade coincidem.
Ora, é natural que ao tratar de verdade nós priorizamos e buscamos defender o nosso ponto de vista. Afinal, será que esse texto sobre a verdade é verdadeiro? Porém, se você chegou até aqui nessa leitura, é um sinal de que você pode admitir que – assim como eu – não tem o conjunto de verdades absolutas que limitam a sua compreensão de mundo. É a partir dessa conclusão que a jornada se inicia.
A busca pela “Verdade” está presente em relatos desde o início da civilização conhecida. Trata-se de alinhar discurso e fato, tendo por princípio a coerência. Um discurso é verdadeiro à medida que corresponde aos fatos.
Buscar a verdade nada mais é do que distinguir o que é verdadeiro do que é falso. É como ampliar aquelas seções de “Fato ou Fake” de algumas páginas virtuais para o todo da vida.
Não podemos negar que existe um importante ingrediente humano nessa busca, sendo impossível dissociar aspectos sociais e culturais no julgamento, o que torna a verdade, de certo modo, subjetiva e relativa.
Aristóteles nos ajuda a dar mais um passo quando nos remete a ideia de “opiniões geralmente aceitas” (endoxa), ou seja, aquelas que são mais admitidas, sobretudo pelos mais sábios ou por pessoas notáveis. Por exemplo, se você quer saber sobre a cura de uma determinada doença, é mais provável que a verdade esteja mais próxima da opinião de um médico do que de um engenheiro, assim como a opinião de um engenheiro possa estar mais próxima da verdade quando você buscar uma opinião para construir uma casa.
A formulação de hipóteses, o uso da lógica e a conexão com o mundo sensível também são caminhos para a busca da verdade ou, pelo menos, para desfazer discursos falsos. Por essa via, seria improvável termos como verdade uma dissertação sobre crocodilos rosados voadores.
O conceito de “verdade” no cotidiano
Do ponto de vista prático, deixar as “próprias verdades” para buscar “a verdade” nos torna pessoas mais justas, éticas, menos preconceituosas e abertas ao aprendizado. É um meio seguro para não cair nas notícias falsas, para elaborar conexões lógicas e ter uma direção correta para a vida.
Quanto maior for esse exercício, menos suscetíveis a golpes e mentiras.
Referências
📷 Studying monk | Eduard von Grützner (German, 1848-1925) | Imagem reprodução