A liberdade interior é possível?
Baruch Spinoza, filósofo holandês, viveu entre 1632 e 1677 num contexto de intolerância e com forte crise nas relações humanas. Foi profundo pesquisador dos textos bíblicos e hebraicos, além da filosofia clássica com Sócrates, Platão e Aristóteles. Dado o contexto em que viveu, aprofundou o seu pensamento na ética e nas relações humanas.
A sua teoria, em breves palavras, versa sobre a dimensão externa e interna da nossa existência. Por exemplo, o nosso corpo pode ser afetado por muitas coisas externas, e o temor que temos está relacionado em servir as convenções sociais ao invés de buscar interiorizar as nossas próprias interpretações para compreender o caminho que nos leva à potência da alma, ou seja, o que nos alegra, e que nos conduz à liberdade.
Ora, diz ele que “aquele que se deixa levar pelo medo, e faz o bem para evitar o mal, não se conduz pela razão” (SPINOZA, 2009, p. 210). É, portanto, fundamental construirmos um espaço de liberdade para que a nossa potência de agir seja liberada, sem medos e superstições opressoras.
Mas por onde começar? Tudo depende do peso que damos às coisas.
O peso das coisas
Há alguns anos, umas duas dezenas de anos para ser sincero, lendo Anselm Grün, ele citou uma poetisa nórdica que disse algo como que cada coisa tem o peso que atribuímos à ela. Infelizmente não tenho aqui a referência exata, mas aquilo me marcou muito ao longo dos últimos 15, 20 anos. Desde então, não parei de ler, estudar e escrever sobre o tema. Aliás, refletir sobre o peso das coisas é um dos pilares do Filosofia Diária.
Nesse sentido, Spinoza conclui: “quando vi que tudo o que eu temia não tinha em si nada de bom nem de mau, a não ser à medida que meu espírito se agitava com isso” (SPINOZA, 2007, p. 19).
Em outras palavras, vivem nos empurrando referências de sucesso, inteligência, felicidade, comportamento, etc. Porém, a nossa postura diante dos padrões depende do peso que damos a cada uma delas. E isso tem relação com o nosso passado e com a necessidade de vivermos como massa de bolo, nos esparramando para caber nas fôrmas sociais.
8 dicas para a liberdade
1. Enxergue a realidade
Traumas e ressentimentos muitas vezes são como nuvens cinzas que não nos permitem encontrar o sol. A forma como nos enxergamos é fundamental. Busque enxergar a sua realidade, nem de mais e nem de menos, apenas o que você é.
2. Goste de si mesmo
Após enxergar a realidade, assuma e aprenda a amar o que viu. Não importa se você queria ser diferente, ter outros talentos, etc. Algumas coisas, com estudo e prática se alcançam, mas nada será possível se primeiro você não enxergar a realidade e aprender a amá-la nos seus acertos e erros.
3. Confronte os sentimentos negativos
Nem tudo são flores, e é necessário uma leitura da realidade. Muitas vezes os sentimentos negativos nos apequenam, mas são sentimentos que podem ser apenas percepções da realidade, como quem olha para a sombra de uma formiga e vê um perigoso assassino. Você não precisa se encaixar em todas as fôrmas que foram impostas.
4. Desafie-se
Que tal retomar aquele estudo? aprender um instrumento? Escrever suas metas? Planejar seus próximos passos? Desafie-se.
5. Não deixe que falem de você
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, diz o dito popular. Não temos controle sobre o que pensam e falam de nós, mas se possível, evite se expor ou que falem de você. Por melhor que estejamos com nossa autoestima, uma hora as palavras podem nos machucar.
6. Dê o correto peso
Mas se falarem, busque dar o correto peso. Veja se o que falou é verdade ou o que de fato o fez se sentir mal. Também perceba que às vezes palavras são flechas direcionadas por pessoas que se vêem ameaçadas. Não dê tanta importância.
7. Relaxe
Busque momentos para relaxar e sair do automático. Nem tudo são metas e propósito. Uma soneca despretensiosa, aquele filme ou show musical, uma rotina realista, tudo nos ajuda a voltarmos no tempo e reduzirmos a ansiedade.
8. Conforto, mas não muito
Dar muito conforto ao corpo pode nos viciar. Ao longo da vida enfrentamos muitos problemas, dificuldades e pressão. Precisamos lidar com a vida real, mas sem sair dos eixos. Relaxar sim, preguiça não.
Buscar a potência de agir
Vejam que não falamos da liberdade como algo teórico, mas da forma como ela pode ser praticada. Não digo que é simples ou fácil, digo que é possível. E é a partir da prática da liberdade interior que teremos melhores condições de organizar os nossos afetos e sentimentos. Perceba o que te faz feliz, não de forma momentânea, mas o que te deixa pleno, que te indica o caminho que você busca seguir.
“Viver conforme a nossa vocação, ou seja, o nosso propósito, potencializa o nosso “eu” e contribuímos para uma vida pessoal e comunitária melhor. E ainda teremos mais satisfação e felicidade no nosso dia a dia.” (ARAUJO, 2020, s.p.).
Esse é o convite de Spinoza em suas obras.
Afinal, a liberdade interior é possível ou não é?
Sim, a liberdade interior é possível, mas deve ser entendida como um caminho e não exatamente como um ponto de chegada.
“Para Spinoza agir livremente é selecionar as séries dos encontros e não obedecê-los por medo e esperança a uma finalidade preestabelecida fora da ordem dos encontros” (SANTOS, 2011, s.p.)
À medida em que crescemos, conseguimos mapear nossas forças e pontos a desenvolver e a partir daí dirigirmos a nossa vida para, com liberdade, escolhermos aquilo que faz sentido para a nossa vida. Nesse sentido, podemos ser flexíveis para daí sim nos encaixarmos nas fôrmas sociais. Percebe a diferença?
Referências
ARAUJO, L. Razões do Coração. Filosofia Diária, Dezembro 2020. Disponível em: https://filosofiadiaria.com.br/provocacoes/razoes-do-coracao/, acesso em 14/08/2021.
SANTOS, V. R. Do belo platônico à potência do entendimento em Spinoza (A propósito do domínio das paixões). Labirinto. Porto Velho, Unir, nº 1, Junho, 2001. Disponível em: http://www.cei.unir.br/artigo13.html, acesso em 14/08/2021.
SPINOZA, B. Ética segundo a ordem geométrica. Belo Horizonte: Autêntica, 2009
SPINOZA, B. Tratado da reforma do entendimento. São Paulo: Escala, 2007.
📷 Messenger Of Love (1891) | Émile Munier (French, 1840-1895)