A fé pode mover montanhas?

13 de abril de 2024

Em seu livro do Evangelho (Jo 20,2-8), o apóstolo João relata que, após a morte e sepultamento de Jesus, “Maria Madalena saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”. Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu e acreditou”.

Vejam que contradição aparente em que o discípulo “viu e acreditou”. Ora, se ele viu, não precisaria acreditar, porém, ele acreditou no que, na verdade, não viu, que foi a ausência do corpo de Jesus. Pois bem, o foco desta provocação filosófica não está na ressurreição, mas na sensibilidade que por vezes temos que ter para enxergar as coisas e moldar a nossa vida a partir do que enxergamos.

Os atos de fé no dia-a-dia

Você já parou para pensar na quantidade de “atos de fé” que fazemos no dia-a-dia? Chamo aqui “atos de fé” aquelas ações que temos que nos exige certo grau de crença. Por exemplo, quando você vai ao restaurante, você senta na cadeira, pois acredita que ela não vai te derrubar. Você se alimenta, mesmo sem ver o preparo do seu prato e nem quem o preparou, acreditando que a comida não lhe fará mal. E paga a sua conta, sem calcular o preço de cada ingrediente, o aluguel do estabelecimento, o valor da mão de obra, para assim, chegar no preço que seria justo. Apenas paga a conta. E você também acredita que o teto não vai cair na sua cabeça.

É fato que não paramos para pensar na cadeira, no prato, na conta ou no teto, mas simplesmente acreditamos e moldamos o nosso comportamento a partir dessa crença. Mas se isso quase sempre dá certo com as coisas materiais, por que não usamos o mesmo método para aplicar às realidades imateriais, como o nosso propósito de vida?

Um mundo de conexões

Platão diria que fazemos isso porque temos em nós uma imagem original de cada coisa que nos faz associar o teto, a cadeira, o prato e a conta, e com isso, conectamos o que estamos vivendo a essas imagens e deste modo eu sei que a cadeira não é feita para cair, assim como o teto.

À medida em que evoluímos como seres humanos, ficamos mais próximos da realidade perfeita, que Platão chama de mundo das ideias, onde ficam todas as verdades eternas. Começamos então a nossa caminhada para fora da caverna escura, e enxergamos a realidade em plena luz. Para aprofundar esse conceito, recomendo a leitura da reflexão sobre o mito da caverna.

Crer, mas querer saber

A racionalidade humana está presente desde o princípio da filosofia, tendo em Aristóteles a definição de que o ser humano é um animal racional, social e político. No campo da fé, essa racionalidade se expressa em convergência com a crença. Exemplo disso se dá na narração do anúncio do Anjo à Maria, de São Lucas (Lc 1,26-38), em que ao ser apresentada a vinda de Jesus, Maria questiona o “como”. O foco aqui não é a situação em si, mas a importância da conciliação entre fé e razão, para que possamos discernir e conduzir a nossa vida.

Por sua vez, Tomás de Aquino, filósofo do período medieval, propõe que existem verdades que são atingíveis apenas por meio da fé. Primeiro cremos, e depois compreendemos. Porém, também existem verdades naturais, objeto da ciência, que também podem ser apreendidas pela razão.

Deste modo, a partir do que vemos e percebemos, existe uma recomendação das grandes figuras da humanidade, sejam cientistas, filósofos ou religiosos, de que é necessário racionalizar e aplicar a fé na nossa vida cotidiana. Um método possível é incorporar essas verdades a partir do seu propósito e colocar no papel, de forma sistemática, a partir de um Projeto de Vida.

A fé pode mesmo mover montanhas?

Por fim, não vou fugir do questionamento inicial, se a fé pode ou não mover montanhas. A resposta honesta é que eu não sei. Porém, posso afirmar que a fé pode transformar a sua vida.

Se você pára para compreender o que é uma cadeira, e a partir daí senta com toda a confiança nas diversas cadeiras que se apresentam, por que não parar para compreender as verdades da fé e incorporá-las no seu projeto de vida, para aplicar essas verdades no dia a dia e moldar o seu comportamento a partir dessas crenças?

A fé pode transformar a sua vida.

Referências

📷 A Hermit Praying in a Ruin (1650 – 1668) | Jan Adriaensz van Staveren (Dutch, 1614 – 1669) | Imagem reprodução