A diferença entre amar e gostar
Ah, o amor… presente em nossa vida desde os desenhos animados, nos livros, nos romances, nos programas de televisão, poesia… há corações até na xícara de café.
Em tempos de mídias sociais, percebemos que ao invés de acolher o outro, formamos uma grande massa de opiniões iguais e, com isso, parece que cresce a percepção de intolerância e preconceitos, os discursos de ódio, e os confrontos.
Por outro lado, os perfis continuam adornados com corações e flores… será que não estamos confundindo os conceitos?
É fácil gostar de quem a gente gosta
Penso que ninguém é obrigado a gostar de todo mundo. Aliás, gostar pressupõe uma empatia, uma similaridade, uma comunhão. É muito provável que se você fizer uma lista de pessoas que você gosta, você se identificará com alguma facilidade o “porquê” se gosta. Pode ser por terem hobbies parecidos, um time de futebol, o restaurante, o trabalho, amigos em comum, estudos ou um estilo musical, enfim, em muitos casos são claros os motivos de estabelecer essa conexão.
E é fácil gostar de quem a gente gosta. Essa comunhão se faz amizade e com isso a relação transcorre de forma prazerosa. Entretanto, o contrário também é verdadeiro, e como é duro tentar gostar de quem a gente não gosta. Pode ser pelas mesmas situações acima, mas sem sintonia nos gostos. É claro que não afirmo que um gosto pessoal diferente é a razão para que um relacionamento não ocorra, mas sim, é um primeiro impeditivo que poderá – a depender dos interlocutores – dificultar uma primeira relação, criando barreiras já no primeiro contato.
A diferença entre amar e gostar
Há diversas teorias sobre os verbos “amar” e “gostar”. São tantas as definições nos dicionários e a partir de filósofos e pensadores que prefiro simplificar os conceitos, com exemplos práticos.
- Gostar: o verbo “gostar” nos traz uma ideia de presente. Está relacionado a afinidades comuns, e também me coloca em primeiro plano. Eu gosto daquilo que faz sentido para mim, que me traz um benefício ou me agrada. Por isso, aquilo que me é desagradável eu não gosto. E isso pode ser uma pessoa, uma opinião, etc.
- Amar: por sua vez, o amor transmite a ideia de solidez, de entrega, de colocar o outro em primeiro plano. Buscar o bem do outro e isso faz com que eu interaja não apenas com o que a pessoa tem de bom, mas também me ajuda a perdoar os seus limites e também aquilo que me desagrada.
Vamos aprofundar um pouco mais.
O amor
Os gregos foram um dos primeiros a estudar e classificar os tipos de amor. Os resultados desses estudos seguem até hoje como referência para nós.
- Eros: trata-se da atração física, o romance, sexo, a paixão, o desejo, e se caracteriza pela associação ao prazer. Está relacionada ao bem do indivíduo que ama.
- Philia: trata-se da amizade, lealdade, sinceridade, reciprocidade. Está relacionada ao bem do indivíduo que ama, mas também tem por objetivo o bem do outro.
- Ágape: trata-se do amor que nos conecta aos outros, que faz com que nós superemos nossos instintos e interesses, é o dito amor cristão. Está relacionado – prioritariamente – ao bem do amado.
Para ilustrar, São Paulo, em sua carta aos Coríntios, no capítulo 13, versículos 4 ano 7, diz:
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”
São Paulo
É possível amar sem gostar?
A pergunta que não se cala é essa: é possível amar uma pessoa que eu não gosto?
A resposta pode ser curta e direta: sim, é possível.
Mas como?
Não tem segredo. É a partir do autoconhecimento, visão de propósito e projeto pessoal de vida. Quando conheço meus limites e o meu propósito, a partir do projeto pessoal de vida crio metas de mais longo prazo. Isso faz com que os deboches, pirraças, alusões, indiretas, piadas, sátiras, percam o peso na nossa vida. Com isso, somos capazes de superar as picuinhas do dia a dia e acolhermos a todos.
Porém, cuidado com os relacionamentos tóxicos que não nos fazem bem.
Os benefícios de amar
Em tempos de relacionamentos líquidos e descartáveis, marcados pelo individualismo e isolamento como forma de buscar uma autoproteção de medos muitas vezes imaginários, nos esquecemos dos benefícios de relacionamentos saudáveis e, sobretudo, do bem que nos faz – na prática – amar.
Jesus Cristo dizia que o segredo da vida está em “amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a ti mesmo” (MT 22, 37-39). Daqui podemos dizer que o grande mandamento, ou seja, o comando, a regra é: amar a Deus, amar ao outro e amar a si mesmo.
Em outras palavras, a nossa alegria e realização vem de amar, amar e amar.
Ora, mas se amor exige sacrifício, como isso pode se refletir em benefício para mim?
Vou citar apenas alguns, mas já te convido a colocar nos comentários outros benefícios que você identificou.
- Me leva ao autoconhecimento: a decisão por amar implica em, primeiro, buscar me conhecer e me amar. A espiritualidade ajuda muito, pois você já percebeu nas coisas simples da vida o quanto você é amado por Deus? Ao meditar, silenciar, respirar profundo, olhar para a natureza e perceber-se o quanto somos seres complexos, nos ajuda a saborear um pouco do amor de Deus por nós. Se Ele nos ama, podemos também nos amar, ainda que sejamos imperfeitos e não tenhamos todas as qualidades que gostaríamos.
- Criar um propósito: quando me amo, o que é muito diferente de uma simples autoconfiança ou elevada auto estima, percebo que sou um ser para além do meu dia a dia. Não sirvo apenas para as tarefas cotidianas, mas para um significado maior, um propósito. Você já se perguntou para que você faz as coisas que faz além das necessidades básicas de pagar o boleto no fim do mês?
- Superar a mim mesmo: ao criar um propósito, preciso de um projeto pessoal de vida para criar as metas e o “como?” alcançá-lo. E alcançar o propósito também significa superar aquilo que me limita ou que não me permite chegar onde quero. Preciso ir além, pensar mais amplo, e superar as pequenas coisas para focar nas grandes que dão sentido à vida.
- Não me acomodo: o amor me faz observar o outro, ir além da minha acomodação. Me faz “sair do cômodo”, ou seja, deixar o meu lugar de conforto para o bem do outro.
- Me torna disciplinado: O amor, mapeado pelo propósito e escrito no projeto pessoal de vida, é sim capaz de nos fazer sair da preguiça e ter disciplina para atingir as minhas metas. Ora, os pequenos objetivos são parte de grandes objetivos. Desse modo, acordar mais cedo, fazer minhas orações, cuidar do corpo e alimentação passam a ter sentido como meio para chegar a algo que desejo.
- O amor me liberta: A visão de propósito nos liberta das picuinhas do dia a dia e nos ajuda a dar o peso correto às palavras dos outros. Nos libertamos de querer julgar e também nos despreocupamos do julgamento dos outros. Não precisamos vencer as discussões do almoço de domingo em família.
Referências
📷 Gentle Persuasion | Edward Antoon Portielje (Belgian, 1861-1949)