Queremos mudança, mas queremos mudar?

27 de setembro de 2021

Todos nós queremos evoluir, nos tornarmos melhores. Faz parte da nossa natureza o desejo de evolução, assim como a mudança é premissa para a nossa evolução. Do ponto de vista científico, evoluir talvez seja a missão de nossa espécie, e as evidências históricas apontam para isto. Na perspectiva filosófica, é comum que a virtude e o hábito sejam considerados chaves para viabilizar o nosso processo de evolução. Não é diferente na ótica religiosa, em que o nosso aprimoramento contínuo pode ser considerado nossa principal vocação, nosso chamado. Podemos afirmar que em cada um de nós mora o desejo de sermos melhores, mas por que será que nem todos estão dispostos a pagar o preço da mudança?

 

Somos seres de hábitos.

Mudar implica em decidir substituir os velhos hábitos para a construção de novos, afinal “loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”, célebre frase atribuída a Albert Einstein. Por isso, não dá para mudar, sem fazer mudanças. Sem deixar algo para trás. Esse é o preço, e ao abdicarmos daquilo a que estamos acostumados, recai também sobre nós a incerteza diante do novo. O que vai acontecer se eu fizer isso?

Por isso, por vezes resistimos à mudança, mesmo sofrendo, afinal, é o “nosso velho sofrimento”, que já conhecemos e que talvez também nos traga ganhos secundários. “Tá ruim, mas tá bom” como diz o dito popular. Então mais um ano, escolhemos não mudar, por medo do que possa acontecer, e a vida se vai, indo pela metade. Lembremo-nos que “no fim de toda vida, não importa o quão suave ou turbulenta tenha sido, vem a mudança inevitável chamada morte.”[1] Este conceito pode ser angustiante em primeiro momento, mas, entendido a fundo, pode ser libertador.

 

A finitude da vida nos mostra o que realmente importa

Afinal de contas, quando olhamos a nossa vida como um todo, percebemos que cada ser vivo tem um prazo de validade e por via de regra há um ciclo – nascimento, desenvolvimento, envelhecimento e morte – muitos nem chegam a completar este ciclo, logo notamos também, que não há nada que possamos fazer frente a inexorável marcha do tempo, e assim, fica claro que não temos tempo a perder e que todos os medos que alimentamos e nos travam são apenas ilusões, e mais atrapalham que ajudam diante do mistério da vida. É preciso se jogar e mergulhar, sem medo.

Uma atitude profundamente transformadora no processo de mudança e evolução é a tomada de decisão. “Na verdade, a palavra “decisão” vem das raízes latinas de, que significa “origem”, e caedere, que significa “cortar”. (…) e é nos momentos de decisão que o seu destino é traçado.”[2] Enquanto não decidimos, geralmente ficamos “prensados”, entre a mudança que desejamos e o velho que temos, o que pode ser um fardo pesado demais para carregarmos. Decidir é cortar, deixar uma parte que nos espreme cair, e então mais leves, ir em frente.

O processo resumidamente consiste na tomada de consciência, a decisão firme e a ação direcionada. O filósofo Aristóteles aponta que “o princípio da ação é assim uma escolha – ponto de partida do movimento, e não o fim para que ele tende – e o princípio da escolha é o desejo e a razão dirigida para algum fim.”[3] Assim, o processo de mudança requer um profundo desejo que faça sentido, mas só isso não é suficiente, é necessário decidir mudar, planejar e colocar em ação, pois é a concretude que sela o processo de mudança.

 

A responsabilidade é toda nossa

Sabemos, portanto, que a mudança nem sempre é um processo fácil, afinal, além de nos cobrar o preço de deixar pra lá aquilo que não serve mais, nos cobra ainda, o preço da responsabilidade na decisão. De olhar para nós mesmos e para entender a nossa parte no bolo. Porque às vezes, queremos mudanças fundadas na mudança dos outros e então, não saímos do lugar, afinal, “as coisas não mudam; nós é que mudamos” frase atribuída ao filósofo Americano Henry Thoreau.

Crenças limitantes como “minha vida é assim e eu não consigo mudar por conta da minha família, por causa do meu chefe, por causa da minha condição de vida, porque eu não tenho tempo, por causa da minha terapeuta, porque eu não tenho capacidade, o que os outros vão pensar” e por aí vai, podem ser desculpas e um pretexto para não assumir a responsabilidade.

Assim, sempre que atribuímos a responsabilidade que deveria ser nossa, para a “mão de terceiros” que são, pessoas, fatos ou condições externas, estamos também delegando o sentido de nossa existência – “tanto faz, tanto fez”. Se estamos delegando o controle de nossas vidas para terceiros, não deveríamos nos queixar por isso, afinal, essa é a única responsabilidade da qual não podemos nos esquivar, a escolha de assumirmos a responsabilidade para nós ou delegá-la para terceiros.

 

O olhar franco sobre nós

Um dos grandes desafios da mudança é que ela requer que nos enxerguemos de maneira franca e realista, forma a qual muitas vezes podemos não querer nos enxergar, mesmo motivo pelo qual que às vezes, se transfere a causa dos problemas para terceiros, quando na verdade ela é nossa. Uma autoimagem que criamos e consolidamos ao longo do tempo com uma série de “estórias” que contamos e contaram para nós, um “falso eu” que lutamos desesperadamente para manter, acreditando que é tudo que somos, temos e merecemos.
O “falso eu” gera incongruência no nosso ser, um estado de contradição interno, que produz conflito interior, que tem como consequência a angústia, ansiedade, raiva, medo etc, e a sua compensação ocorre através dos excessos, de comida, remédios, álcool, compras, drogas, dentre outros. “Com o tempo, eles descobrem que, afinal de contas, não estão em guerra, que o caminho para a paz é declarar uma trégua consigo mesmos.”[4] Por isso, o autoconhecimento e com ele a auto aceitação são condições para abraçarmos nosso verdadeiro eu, e com isso cessar o conflito e focarmos naquilo que importa, na mudança em si.

Para terminar, cito a famosa frase de Gandhi, “devemos ser a mudança que desejamos ver no mundo” porque ela começa em cada um de nós, uma vez que se toma a responsabilidade de assumir quem se é, e de abandonar tudo aquilo que não condiz com quem queremos ser. Mas este processo não é fácil, e talvez seja por isso que a fila de reclamações seja maior que a fila de mudanças. As coisas realmente especiais na vida exigem esforço e dedicação. O profundo desejo e a consciência da necessidade de mudança, a decisão, o planejamento e a ação, talvez esse ciclo possa nos direcionar para construir a nossa trilha de evolução que resulta numa vida leve e cheia de sentido.

Referências

[1] MARINOFF, Lou. Pergunte a Platão. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Editora Record: Rio de Janeiro, 2005. Citação da página 358.

[2] ROBBINS, Tony. Desperte o seu gigante interior: como assumir o controle de tudo em sua vida. Tradução de Haroldo Netto, Pinheiro de Lemos, 45ª Edição. Editora Best Seller: Rio de Janeiro, 2020. Citações das páginas 42 e 43.

[3] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Luciano Ferreira de Souza. Editora Martin Claret: São Paulo, 2015. Citação da página 155.

[4] GOTTLIEB, Lori. Talvez você deva conversar com alguém: uma terapeuta, o terapeuta dela e a vida de todos nós. Tradução de Elisa Nazarian, 1ª edição. Editora Vestígio: São Paulo, 2021. Citação da página 68.

📷 The Tenth of Muharram | Fausto Zonaro (Italian, 1854 – 1929)