O meu, o seu e o nosso direito
Se você é daqueles que acham a filosofia uma “viagem na maionese”, deixa eu te contar uma história usando a filosofia na análise prática do negócio, para que, assim, você mesmo tire as suas conclusões. Vamos ilustrar nossa reflexão trazendo esta matéria do G1 do último dia 15: “Usuários agridem e ameaçam motoristas de ônibus que cobram uso de máscaras na Grande BH” [1]. Nesse nível. Não vou entrar aqui no mérito de se a abordagem do motorista foi ou não correta, não justificaria.
Você que acha que isso acontece somente por bandas brasileiras? Olha isso: “Motorista de ônibus morre depois de ser agredido por pedir o uso da máscara” – matéria do Correio Brasiliense do dia 11 de julho de 2020 [2]. Se trata de um motorista de ônibus francês, isso mesmo. Se continuarmos “dando um Google”, dá para ficar chocado ao perceber as incontáveis violações pesadas ao direito da pessoa humana, no mundo virtual ou real.
Thomas Hobbes [3] nos ajuda a pensar esse assunto de uma forma bem prática, através de umas pitadas do seu “Leviatã”. Vejamos:
“(…) o homem deve concordar com a renúncia a seus direitos sobre todas as coisas, contentando-se com a mesma liberdade que permite aos demais, na medida em que considerar tal decisão necessária à manutenção da paz e de sua própria defesa. Se cada qual fizer tudo aquilo a que tem direito, reinará a guerra entre os homens.” Thomas Hobbes [4]
Abrir mão das nossas infinitas possibilidades de direito em favor do funcionamento social não é papo de filósofo chato. Esse conceito posto por Hobbes é pedra fundamental das sociedades, uma vez que organizadas em torno das leis objetivas, suas regras e o seu respeito são a garantia para que essa organização funcione no máximo de harmonia possível, caso contrário o caos e a destruição tomariam conta da sociedade – o mal venceria.
Não ser a favor do uso da máscara ou ter outras ressalvas quanto às questões do combate ao Covid-19, tudo bem, mas quando o negócio vira lei, a coisa é diferente, vale para todos… é obrigatório. Ainda que não fosse lei, essas ações descritas pela reportagem são bandidagem. É crime.
É muito simples. Pensemos: se todos fizessem a mesma coisa, ou seja, quando não concordasse com algo partissem para a violência, ou fizessem o que bem entendessem – o estado de guerra seria instalado.
É a nossa obrigação respeitar a lei e ponto. Assim como é nosso dever exigir os nossos direitos- desde que pelas vias legais. Não concorda com a lei? Quer mudar a lei? Candidate-se com essa plataforma e seja eleito a cargo público legislativo – ou, talvez mais simples, eleja alguém que o faça. E, para todas as demais mazelas, o ideal é que se negocie e chegue ao meio termo, assunto para outro artigo.
Desta forma, essa história dos motoristas de ônibus e outras tantas que poderíamos abordar sugerem que é necessário fazer uma profunda reflexão e releitura dos nossos valores e do nosso papel social. Renunciar a um pouco do nosso direito/possibilidade individual é o que garantirá o seu, o meu e o nosso direito. Sem querer ser um filósofo chato…
Referências
https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/07/15/usuarios-agridem-e-ameacam-motoristas-de-onibus-que-cobram-uso-de-mascaras-na-grande-bh-veja-relatos.ghtml – acesso no dia 18/07/2020
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/07/11/interna_mundo,871371/motorista-de-onibus-morre-depois-de-ser-agredido-por-pedir-o-uso-da-ma.shtml – Acesso no dia 18/07/2020.
Thomas Hobbes foi um filósofo político e empirista Inglês que viveu de 1588 a 1679. Popularizou a celebre frase: “Homo homini lúpus”, que significa dizer que o homem é lobo do homem e que as leis e governos são imprescindíveis para a manutenção do estado de organização social.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Rosina D’Angina. São Paulo: Martin Claret, 2014. Citado página 111-112.
📷 A gingerbread seller by candlelight (1838) | Petrus van Schendel (Dutch, 1806-1870) | Imagem reprodução