É possível mudar nosso passado?

12 de abril de 2021

Qual a utilidade de nos ocuparmos pensando no nosso passado? A não ser que se tenha um objetivo específico ou de autoconhecimento, viver excessivamente neste tempo geralmente não agrega valor à vida, porque não está no tempo em que se pode efetivamente fazer alguma coisa: o presente. Neste texto propomos analisar melhor em função do passado na constituição da nossa história como indivíduos, numa perspectiva de espiral, que considera a conexão entre eventos e noção de causa/efeito. Vamos buscar entender os mecanismos do passado que atuam no presente e as possibilidades de se criar espirais virtuosas da nossa história como pessoas.

Cada um sabe da dificuldade que é de se ter sucesso em fazer uma atividade no tempo presente, quando o conteúdo da nossa consciência está imergido no passado. A realidade é que, só há uma forma de mudar o passado, e é sobre isso que tratamos nas linhas seguintes, e a frase atribuída ao filósofo chinês Confúcio nos dá as pistas: “se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado; se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa.”

Um dos fatores que permitiu o ser humano evoluir ao longo de milênios foi a nossa capacidade de armazenar experiências, aprendizados e criar repertórios variados de comportamento ao longo da vida e até mesmo por gerações.

A escritora Loretta Breuning, no seu bestseller, os hábitos de um cérebro feliz, afirma que “os momentos felizes do passado criaram conexões neurais que ainda estão lá, prontas para liberar mais química da felicidade na próxima vez que você se encontrar em uma situação semelhante. Os momentos infelizes do passado conectam neurônios que lhe dirão o que evitar.” (Breuning, 2020, p. 22)

Na perspectiva neuropsicológica, as experiências vividas, sobretudo aquelas da primeira infância, que é um período considerado de intenso desenvolvimento, geralmente até os 7 anos de idade, e depois na adolescência, deixaram marcas profundas em nosso cérebro, sejam elas positivas ou negativas. Quando adultos, quanto menos autoconhecimento destas marcas, mais estas experiências tendem a enviesar nossas escolhas presentes, de forma negativa ou positiva. Assim, por exemplo, alguém que foi muito criticado ou até castigado na infância ou na adolescência e por consequência sofreu com isso, quando adulto, tende a ser mais inseguro e dependente. Da mesma forma, alguém que neste mesmo período fora muito estimulado positivamente e apoiado a ser autônomo, se torne um adulto tendencialmente mais seguro e a apreciar novos desafios.

As experiências ruins ou aquelas que quando aconteceram no passado foram sentidas como ameaçadoras por nós, quando no presente nos deparamos com situações semelhantes o nosso cérebro automaticamente tende a nos colocar em alerta para nos proteger, evitando aquela experiência, liberando cortisol. O cortisol é uma substância responsável pela sensação de mal-estar e de necessidade de ação frente a alguma ameaça, associado também, aos sentimentos como ansiedade, angústia, medo e raiva. Você já entrou em algum ambiente ou esteve em situação que sentiu uma sensação de mal-estar sem saber o por quê? Quando o “estômago” diz que algo não está bem? É a isso que nos referimos, conexões do passado que impactam o presente.

Ao observar por esta perspectiva, talvez você se pergunte: se esta teoria estiver certa, então nosso presente e futuro seriam determinados pelo nosso passado? Depende. Entendemos que a resposta desta pergunta está mais ligada à nossa capacidade de sair do automatismo e de focar o conteúdo da consciência no presente. Afinal, fica muito difícil fazer escolhas no presente que impliquem em mudança, quando não compreendemos os gatilhos do passado que atuam no presente.

Por exemplo, um bom começo é que quando perceber o sentimento de ameaça que vai tomando o corpo, pare, respire fundo, reflita e se pergunte: existe alguma ameaça real no ambiente em que eu estou? A minha reação está sendo proporcional ao que estou percebendo? Se não identificar ameaça proporcional, tente confiar naquilo que seus sentidos estão percebendo e dizer para si mesmo, “está tudo bem”, sendo possível que o sentimento negativo passe.

Quando conseguimos identificar a experiência passada a que o sentimento presente esteja conectado, então tomaremos o primeiro passo para aprender a transformar aquela experiência do passado, conhecendo-a, e apesar dela, conquistamos a liberdade de fazer novas escolhas. Esta também é uma das funções centrais da psicoterapia.

Ter consciência dos nossos padrões sentimentais e comportamentais é fundamental para entendê-los e mudá-los, e para que isso aconteça é necessário se auto conectar, explorar a nossa dimensão interior, ainda que isso muitas vezes possa ser doloroso. Por outro lado, organicamente falando, o nosso cérebro tem a capacidade de plasticidade, isto é, ele aprende a se adaptar e criar conexões neuronais que viram novas referências.

Portanto, as experiências do passado têm função fundamental em nossa existência, na medida em que aprendemos com elas a fazermos escolhas melhores no presente, chamado também de sabedoria. Por outro lado, quando não analisamos o nosso passado por vezes pode ser um limitador da ação presente. Entrar em paz com o passado é essencial. Muitas vezes ficamos remoendo acontecimentos como se simplesmente fosse possível modificá-los.

Mas então, como é possível mudar o passado?

Na perspectiva que trazemos aqui, a única maneira que entendemos ser efetiva para mudar o passado é criar uma espiral positiva, fazendo diferente no presente e assim criar camadas positivas de nossa história, que possibilitem também uma nova relação com o passado. O nosso poder está nas escolhas que fazemos no presente, e se fazemos escolhas boas, estas amanhã serão passado positivo e assim por diante. Portanto, é possível criar o passado que queremos através das nossas decisões presentes. Apesar de todas as limitações que possamos ter, optemos por viver um presente pleno, para que tenhamos um passado que possamos nos orgulhar por ter sido conscientemente escolhido…

Referências

📷 Study Head (Old Woman) (1883-1884) | William J. Forsyth (American, 1854-1935) | Imagem reprodução