Como usar a dor e o prazer a seu favor?

11 de março de 2023

No artigo Por que não consigo atingir os meus objetivos?, fizemos uma breve citação sobre o princípio da dor e do prazer, desenvolvido por Sigmund Freud, que sugere que as pessoas fazem escolhas para evitar ou diminuir a dor ou para criar ou aumentar o prazer.

Mas o que isso significa afinal?

Isso quer dizer que a situação que vivenciamos hoje, por mais desagradável que nos possa parecer, é resultado, sobretudo, de nossa própria decisão, muitas vezes embasada na busca pelo prazer imediato ou na tentativa de evitar a dor.

Quando esse comportamento é inconsciente ele provavelmente está relacionado a interpretações que fazemos com base em experiências vividas no passado. É quando nosso cérebro promove neuro associações que moldam nossos destinos de forma significativa.

Ao revisitarmos nosso passado, somos capazes de recordar experiências que trouxeram uma série de causas e efeitos que nos levaram ao ponto em que nos encontramos hoje.

Por exemplo, se você teve algumas experiências ruins com relacionamentos anteriores é possível que você evite construir novos relacionamentos com o intuito de evitar a dor.

Desta forma, nossas decisões são motivadas pela dor ou pelo prazer. Quando nossa motivação se dá pela dor, geralmente somos dirigidos pelo medo do desconhecido, da mudança, do novo. Quando nossa motivação se dá pelo prazer somos guiados a escolher aquilo que nos provê prazer imediato, sem nos preocuparmos com as consequências que esse prazer de agora poderá nos causar no futuro.

Para facilitar o entendimento vou usar dois exemplos que mostram uma decisão motivada pela dor e outra pelo prazer.

 

A motivação pela dor

Na motivação pela dor, vamos imaginar que você trabalha há anos em uma empresa, na qual se encontra imensamente insatisfeito. Entretanto, você não procura sair da empresa, não busca se desenvolver e adquirir novas habilidades com o intuito de obter um emprego melhor em outra companhia.

Por que isso acontece?

Porque muito provavelmente você está se deixando guiar pelo medo do desconhecido e tudo que dele deriva como: o processo de candidatura, os diferentes deveres de trabalho, o risco de não dar certo na outra empresa e perder a segurança já conquistada.

Isso ocorre porque no atual emprego, embora infeliz, você se sente confortável em relação a seus atuais deveres e responsabilidades, possuindo domínio sobre as tarefas que executa. Assim, não importa o quão doloroso seja continuar no atual emprego, uma vez que é ainda mais doloroso arriscar e fazer a mudança.

 

A motivação pelo prazer

Já para explicarmos como nosso cérebro se comporta na motivação pelo prazer, vou usar como exemplo a citação de um famoso experimento na história da psicologia, conduzido por Walter Mischel e seus alunos.

Eles expuseram crianças de 4 anos a um dilema cruel: elas poderiam escolher entre uma pequena recompensa (um biscoito recheado), que ganhariam a qualquer momento, ou uma recompensa maior (dois biscoitos), pelo qual teriam de aguardar 15 minutos sob difíceis condições. Para tanto, as crianças tinham de permanecer sozinhas numa sala, de frente para uma mesa com dois objetos: um único biscoito e um sino que a criança podia tocar a qualquer momento para chamar o condutor da experiência e receber aquela única bolacha. O adulto deixava a sala e só voltava depois de 15 minutos ou após a criança ter tocado o sino, comido a recompensa ou mostrado algum sinal de desconforto. As crianças eram observadas por um espelho unidirecional. Praticamente a metade das crianças conseguiu a proeza de esperar os 15 minutos, principalmente mantendo sua atenção longe da tentadora recompensa.

Com base nesse experimento podemos dizer que as crianças que sucumbiram à tentação e preferiram ganhar apenas 1 biscoito ao invés de 2, demonstram sua propensão a tomar decisões motivadas pelo prazer imediato, abrindo mão da gratificação dobrada, caso se dispusessem a vivenciar o desconforto da espera.

Pessoas com esse tipo de comportamento são, em geral, impulsivas, impacientes e ávidas por receber gratificação imediata, optando por tomar medidas que conduzam ao prazer agora, mesmo que isso lhes cause estragos no futuro.

 

Nosso comportamento é guiado pela reação instintiva à dor e ao prazer

A partir dos estudos mencionados, é possível concluir que o nosso comportamento é guiado pela reação instintiva à dor e ao prazer, não pelo cálculo meramente intelectual.

Embora preferimos acreditar que é o intelecto que nos guia, são nossas emoções (as sensações que vinculamos aos pensamentos) que realmente nos guiam.

Outra teoria que confirma esse tipo de comportamento tem a ver com a maneira como nosso cérebro funciona, como defendido pelos psicólogos Keith Stanovich e Richard West que propõem haver dois sistemas de processamento cerebral: o Sistema 1, que é rápido, paralelo, automático, inconsciente e dirigido por emoções e associações e o Sistema 2, que é lento, sequencial, deliberativo, baseado em regras e que utiliza cálculos conscientes para chegar a decisões. Sempre que tomamos decisões baseadas em nosso Sistema 1, tendemos a fazer escolhas precipitadas, com base em dados superficiais que podem levar a resultados desastrosos no futuro.

Assim, devemos treinar o nosso cérebro de maneira a conseguir alocar a nossa energia para tomar uma decisão adequada e coerente com aquilo que queremos atingir na vida. O segredo é aprender a usar a dor e o prazer ao invés de deixar que usem você. Se fizer isso, estará no controle de sua vida.

 

Como usar a dor e o prazer a nosso favor?

O primeiro passo é simplesmente ficar consciente do poder que a dor e o prazer exercem sobre cada decisão e ação que tomamos. Em seguida, podemos seguir alguns passos que irão nos ajudar nessa questão:

  • Escreva num papel ações que você precisa fazer, decisões que precisa tomar e que vem adiando há tempos. (ex.: mudar de profissão).
  • Para cada uma dessas ações responda a seguinte pergunta: que dor vinculei a essa ação? (ex.: medo do desconhecido, crença de perda dos investimentos já feitos, medo de não ter mais tempo, medo de não ser capaz, medo de dar errado)
  • Anote todo o prazer que experimentou por se entregar a esse padrão negativo. (ex.: manter zona de conforto atual, não ter de correr o risco, não ter de gastar dinheiro com o desenvolvimento de novas habilidades).
  • Anote o que lhe custará (perdas) se não mudar agora. O que vai lhe custar dentro dos próximos anos em termos emocionais, de autoimagem, de bem-estar, de saúde, de energia física, de amor-próprio e financeiro? (ex.: infelicidade, falta de disposição, sentimento de vazio, possíveis problemas de saúde como ansiedade, depressão, estagnação na qualidade de vida, baixa autoestima, sentimento de incapacidade, falta de dinheiro).
  • Anote como sua decisão atual afeta negativamente sua família, trabalho ou sistemas dos quais faz parte (ex.: poucas horas para usufruir com família, baixa disposição ou qualidade nos relacionamentos, comportamento agressivo, impaciência).
  • Escreva todo o prazer que obterá (ganhos) ao tomar cada uma dessas ações imediatamente: faça uma lista enorme, que o motive e impulsione emocionalmente a fazer o que precisa ser feito (ex.: sensação de bem-estar, felicidade, elevação na autoestima, melhoria da qualidade de vida a médio/longo prazos, desenvolvimento de novas habilidades, construção de novos relacionamentos)
  • Associação da dor: devemos vincular uma dor vívida ao comportamento antigo (que queremos suspender) e prazer ao novo comportamento, de modo tal que evitemos ceder ao padrão negativo a todo custo (feche os olhos, dedique um tempo para se visualizar vivenciando a situação atual por longos anos de sua vida e veja como se sente, imaginado que os efeitos negativos vivenciados hoje serão aumentados significativamente com o passar dos anos se nada for feito).

 

E então? Qual é a força que está controlando você nesse exato momento e continuará a fazê-lo pelo resto de sua vida? dor ou prazer? Que mudança você decidiu adotar hoje para mudar essa realidade?

Lembre-se que qualquer coisa valiosa que você deseja conquistar na vida sempre exigirá uma passagem pela dor a curto prazo, a fim de alcançar o prazer a longo prazo.

Não se permita ir levando a vida como está, com base na infelicidade, até que chegue o dia em que não agir se tornará mais doloroso do que fazer o que deve ser feito. Tome suas decisões hoje com consciência.

Referências

Tara, C. Motivating by the Pain Pleasure Principle. Disponível em <https://www.uwgb.edu/sbdc/assets/multi/news/201611-Motivating-by-the-Pain-Pleasure-Principle.pdf> Acesso em 6 out. 2022.

Robbins,T. Desperte seu Gigante Interior: Como assumir o controle de tudo em sua vida. 47º Edição – Rio de Janeiro. Editora Best Seller, 2020.

Kahneman, D. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro. Editora Objetiva Ltda, 2012.

📷 Cupid As Bacchus (1784) | Adolf Ulrik Wertmüller (Swedish, 1751 – 1811)| Imagem reprodução