Por que todos contamos mentiras?
Todos contamos mentiras. Isso parece uma forma de evitar conflitos, proteger sentimentos ou melhorar nossa imagem. As mentiras podem surgir como uma estratégia social para agradar os outros ou esconder inseguranças, e muitas vezes são racionalizadas como inofensivas. Mas, por que mentimos? O que nos leva a distorcer a realidade, mesmo quando sabemos que isso pode nos prejudicar ou prejudicar os outros?
Para Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do século XIX, mentir não é apenas um ato de engano, mas uma fuga da angústia existencial e da responsabilidade que vem com a liberdade humana.
O que a mentira tem a ver com a angústia existencial?
A angústia existencial, para Kierkegaard, é um sentimento de vazio e liberdade incontrolável que todos enfrentamos ao reconhecermos nossa condição humana. Esse reconhecimento nos confronta com a responsabilidade de nossas escolhas, e muitas vezes, essa liberdade e responsabilidade podem ser assustadoras. Nesse contexto, a mentira é uma forma de fugir dessa dor.
Ao mentir, seja para os outros ou para nós mesmos, tentamos evitar enfrentar as realidades desconfortáveis da nossa existência.
Para Kierkegaard, a mentira está conectada ao conceito de “má-fé” ou “autoengano”, mas em vez de se concentrar apenas em mentiras explícitas – como dizer algo que não é verdade – ele vê a mentira de uma forma mais abrangente: como um mecanismo de defesa contra a angústia existencial.
“O desespero é a doença mortal da alma; mas, curiosamente, ele é a doença que, ao mesmo tempo, é capaz de enganar o homem, de forma que ele não perceba seu desespero, ou que mesmo ele o negue.” — Søren Kierkegaard, O Desespero Humano
Quando mentimos para nós mesmos, criamos uma falsa sensação de controle ou segurança, o que nos impede de lidar com a angústia e as incertezas da vida. Isso é o que Kierkegaard chama de “má-fé”. A mentira, nesse sentido, não é apenas uma tentativa de enganar, mas uma forma de evitar a verdade desconfortável sobre quem somos e sobre nossa liberdade.
Quando mentimos para nós mesmos, criamos uma falsa sensação de controle ou segurança, o que nos impede de lidar com a angústia e as incertezas da vida.
A mentira pode ser uma maneira de evitar a dor e a responsabilidade que vem com a liberdade humana. Para superá-la, é essencial enfrentar a angústia, buscar a verdade interior e, em última instância, fazer o “salto da fé”. Ao praticar a honestidade e estar consciente de nossas motivações, podemos viver de maneira mais autêntica e verdadeira.
Como a Mentira Afeta Nossa Relação com Deus?
Para Kierkegaard, a mentira também tem um componente teológico. Ele acreditava que a verdadeira liberdade só poderia ser alcançada através da fé em Deus, um “salto da fé” que exige abandonar a mentira e o autoengano. Assim, mentir seria uma forma de negar a nossa verdadeira relação com Deus, pois impede a experiência autêntica e profunda de nossa condição humana e da nossa dependência de algo transcendente.
“A mentira é a forma mais básica de desespero. O homem está em desespero porque ele mente para si mesmo e é incapaz de assumir a verdade sobre si mesmo.” — Søren Kierkegaard, O Desespero
Ao mentir, negamos a possibilidade de abraçar a verdade que nos leva à autenticidade existencial e à fé. Kierkegaard sugere que a única maneira de superar essa mentira é fazer o “salto da fé”, aceitando nossa condição humana finita e nos entregando à confiança no divino.
Como lidar com o impulso da Mentira?
Enfrente a Angústia da Liberdade: em vez de evitar o desconforto da liberdade e da responsabilidade, procure abraçá-los. Reconhecer que somos livres para tomar decisões e que essas decisões vêm com a responsabilidade pode ser libertador, não opressor.
Pratique a Autenticidade: seja honesto consigo mesmo e com os outros. Isso significa não apenas evitar mentiras explícitas, mas também confrontar suas próprias limitações, falhas e medos. Kierkegaard sugere que a verdadeira liberdade só vem quando aceitamos quem somos, com todas as nossas imperfeições.
Esteja Consciente de Suas Motivações: Pergunte-se: por que você está mentindo? O que está tentando evitar ou esconder? Identificar os motivos por trás de uma mentira pode ajudá-lo a lidar com as emoções ou inseguranças que a estão impulsionando.
Pratique a Vulnerabilidade: Não tenha medo de mostrar suas fraquezas e limitações. A vulnerabilidade é uma forma de autenticidade, e ao abraçá-la, você está mais preparado para enfrentar a verdade e a angústia de sua condição humana.
Busque a Verdade Espiritual: Kierkegaard acreditava que a mentira é, em última instância, uma negação de nossa relação com Deus. Buscar uma verdade espiritual, seja através da fé, da reflexão ou da meditação, pode ser uma maneira de superar a mentira e viver de forma mais autêntica.
Referências
📷 Julie Le Brun Looking in a Mirror (1787) | Elisabeth Louise Vigée Le Brun (French, 1755 – 1842) | Imagem reprodução.