Devo me importar com a opinião dos outros?
A moda agora é dizer em alto e bom som que a opinião dos outros não importa, mas sim a minha vida, meus pensamentos, meus projetos, etc. Ora, acho improvável uma pessoa chegar nessa conclusão sem estar incomodada com a opinião alheia. Pois bem, será possível viver sem a opinião do outro? Eu digo que não e explico o porquê.
Somos seres de relação, de comunicação e segundo a teoria evolutiva, este foi o ponto central que permitiu a evolução do ser humano. E, diz o filósofo e educador Dante Diniz Bessa, “a comunicação é um elemento fundamental para a vida social e tem sido um dos elementos mais importantes na constituição das sociedades contemporâneas. O devir humano (sociocultural) sempre esteve relacionado com a comunicação.” (BESSA, 2006. pág. 16).
Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, também reforça a importância das relações e de considerar o aspecto social para a compreensão do ser humano ao afirmar que o homem é um animal político, ou seja, da polis (da cidade, da comunidade).
Por isso, a chave não está em negar a opinião do outro, mas em gerenciar a nossa reação diante da opinião do outro.
Atribui-se a Winston Churchill, primeiro ministro inglês, o seguinte pensamento: “a crítica pode não ser agradável, mas é necessária. Desempenha a mesma função que a dor no corpo humano. Chama a atenção para algum ponto que não está saudável”. Concordo com ele.
O feedback
Feedback é um termo em inglês, bastante utilizado no mundo corporativo. Sua tradução, de acordo com o dicionário Oxford, quer dizer “informação que o emissor obtém da reação do receptor à sua mensagem, e que serve para avaliar os resultados da transmissão”. Na prática, o feedback é – de certo modo – a obtenção de informações que contribuem para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional.
“Todos nós precisamos de pessoas que nos deem feedback. É assim que melhoramos.” – Bill Gates.
Existem diversos teóricos que apresentam os mais variados tipos de feedbacks. Gosto da versão apresentada por Nick Fellers, fundador e presidente da página For Impact. Em seu artigo “Three Types of Feedback” (Três tipos de Feedback), baseado no livro “Thanks for the Feedback: The Science and Art of Receiving Feedback Well” (Obrigado pelo feedback: a ciência e a arte de receber bem o feedback), que aponta de forma simples e prática para três tipos principais:
- Reconhecimento: é o elogio, que nos motiva e nos dá energia para os desafios.
- Avaliação: mostra onde o avaliado está, alinha expectativa, esclarece as consequências.
- Orientação: sugere outras formas de fazer o que foi feito.
É sobre relacionamento
Um aspecto importante é que quando falamos em relacionamento, também falamos do sentimento de pertencimento. De acordo com Ana Lúcia Amaral, mestre em Ciência Política, em publicação no Dicionário de Direitos Humanos, “Pertencimento (…) é a crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos. Os indivíduos pensam em si mesmos como membros de uma coletividade na qual símbolos expressam valores, medos e aspirações. Esse sentimento pode fazer destacar características culturais e raciais.”
Por outro lado, a especialista em Saúde Mental, Gisele Essoudry, aborda os impactos psicológicos do sentimento de não pertencimento, em que “algumas pessoas tendem a acreditar que é devido a um defeito ou uma parte que lhe falta, e acaba sofrendo muito ou entrando em ruminações infindáveis”.
“E então eu soube: pertencer é viver.” Clarice Lispector
De certo modo, é difícil falar e receber coisas negativas porque nos dá a impressão que não estamos conectados, que estamos fora daquele contexto. Isso amplia o sentimento de não pertencimento, o que traz impactos para o indivíduo, na medida em que pode ser percebido por ele, ainda que de forma inconsciente, como uma ameaça Por isso, a empatia é um elemento fundamental para quem vai conceder o feedback, isto é, a capacidade de criar uma conexão que traga paz e abertura para aquele momento tão importante..
O impacto do feedback
Ao reconhecer, criticar ou orientar alguém, causamos um impacto. Assim como somos impactados ao sermos reconhecidos, criticados ou orientados. É normal, é humano. A nossa primeira emoção, aquele impacto mais primitivo como um batimento cardíaco diferente (de euforia ou medo), é natural. Entretanto, o que fazemos a partir daí é gerenciável.
Embora muitas vezes se queira, não podemos viver sem a opinião do outro, mas precisamos gerenciar a nossa reação frente ao feedback que recebemos.
Quando percebo que o feedback me incomoda, preciso saber qual é o gatilho que em mim disparou. Será que a mensagem recebida impacta os meus valores, relacionamentos ou talvez me remete a algo que pensei ter superado? É um bom exercício bater um papo com a nossa consciência, aquela voz interior – a conversa mental – que nos ajuda na reflexão. Temos que cuidar para fazer isso de forma franca e realista pois, cá entre nós, nossa primeira resposta é “quem é você para falar isso?”, não é mesmo?
Precisamos, portanto, ampliar nossa capacidade de escuta e evitar deixar crescer em nós o primeiro impacto emocional, pois o feedback sempre nos ensina algo.
Dicas para dar e receber feedback
Penso que soa arrogante dizer que existe um jeito certo ou um modelo padrão para dar e receber o feedback. Como já abordamos, o feedback trata de relacionamento, que inclui pessoas e pessoas são diferentes. Porém, há algumas dicas que podem ser úteis:
Ao dar um feedback:
- Busque criar uma conexão emocional com a pessoa, uma certa empatia. Cuide para não ser (ou parecer) grosseiro, mas como um colega com autêntica e genuína vontade de ajudar no desenvolvimento da pessoa;
- Cuide para não fazer inferências ou pressupor motivos pelas quais as pessoas fazem o que fazem. Não enquadre o problema. Mencione o que deve ser mudado e permita à pessoa buscar em si mesma os motivadores que fazem ela ter esse comportamento ou passar essa impressão aos demais;
- Quando possível, foque no reconhecimento. Muitas vezes as pessoas quando pedem feedback não querem uma avaliação, mas simplesmente um elogio que ajudará a energizar o seu trabalho;
- Evite expor a pessoa que receberá o feedback, sobretudo quando trata-se de um feedback de avaliação ou orientação. Por outro lado, avalie se em alguns casos o feedback de reconhecimento pode ser feito entre os colegas ou familiares;
- Esteja embasado em fatos e dados. Perceba o que é necessidade sua na relação de feedback e o que é comportamento do outro.
Ao receber um feedback:
- Ao receber um feedback, peça exemplos, o feedback precisa ser compreendido;
- Perceba se a mensagem que lhe é transmitida não se trata de um simples desabafo da outra pessoa. Neste caso, desconsidere;
- Não necessariamente o feedback precisa provocar uma mudança, mas precisa ser entendido. Reflita sobre o assunto.
- Faça um plano de ação prático e aplicável e, após um período de tempo, pergunte a percepção da pessoa sobre o seu desenvolvimento.
Assim, quando passamos a perceber o feedback como uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento, entramos no campo do cuidado e da ajuda mútua. Por este motivo, atualmente há um movimento muito forte nas empresas em que superiores além de concederem, recebem feedback da equipe também, e tem se percebido o quanto isto melhora a conexão entre as pessoas, aprofunda relacionamentos e cria laços fortes e duráveis. Afinal, como diz o poeta, “ninguém é uma ilha.”
Referências
AMARAL, ANA LÚCIA. Pertencimento. Disponível em: http://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=pertencimento . Acesso em 16/10/2021.
BESSA, DANTE DINIZ. Teorias da Comunicação. Brasilia, DF. MEC, 2006. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/profunc/10_2_teor_com.pdf. Acesso em 16/10/2021.
ESSOUDRY, GISELE VENTURA. O sentimento de não pertencer. Disponível em: https://giselepsicologa.com/2018/03/24/a-sensacao-de-nao-pertencer/. Acesso em 16/10/2021.
FELLERS, NICK. Three Types of Feedback. Disponível em: https://forimpact.org/three-types-feedback/. Acesso em 16/10/2021.
📷 The Gossip | Julien Dupré (French, 1851 – 1910) | Imagem reprodução