Tire os sonhos do papel
A capacidade de redesenhar os hábitos talvez seja uma das maiores competências exigidas em um mundo de constante transformação e que exige de nós agilidade e resiliência para acompanhar ou até, liderar essas mudanças.
Você sabe, tecnicamente, como mudar um hábito?
Transformar os hábitos está dentre as mais difíceis e necessárias atitudes para uma efetiva renovação da nossa vida na medida em que amadurecemos. O tema é amplamente abordado, porém, como psicólogo, peço a sua atenção para um texto um pouco mais técnico do ponto de vista neurológico, mas com uma aplicação prática para ajudar nessa transformação do dia a dia de cada um de nós.
Do ponto de vista neurológico, cada hábito tem a sua estrutura própria de conexões neuronais. Loretta G. Breuning (2020), compara “os velhos hábitos como estradas bem pavimentadas no cérebro, enquanto os novos são difíceis de ativar porque são como caminhos estreitos no meio de uma selva de neurônios.”
Por outro lado, a ciência comprovou a plasticidade cerebral, o que significa que é possível reorganizar a estrutura funcional das sinapses neuronais cerebrais, mais para os mais novos e menos para os mais velhos – por isso, na medida em que envelhecemos, em geral, se gosta cada vez menos de mudanças. A forma de fazermos isso, é criando hábitos novos e tendo experiências novas, abrindo novos caminhos na selva de neurônios. Mas é importante enfatizar que a mudança de hábito não ocorre do dia para a noite e nem sempre é fácil, afinal, existe uma estrutura de conexões neuronais já estabelecida que precisa ser transformada. Portanto, esta nem sempre é tarefa fácil, porque segundo Breuning (2020), “estradas desconexas produzem uma sensação de perigo e fadiga, de modo que somos imediatamente tentados a retornar à estrada que nos é familiar.”
No bestseller, “O poder do hábito”, Charles Duhigg explica esta questão, descrevendo o hábito de dirigir. Quem dirige sabe, que nas primeiras vezes que se entra num carro para dirigir, tudo parece muito complexo e difícil de conciliar, mas na medida em que se pratica e o tempo passa, o cérebro apreende e a ação de dirigir se transforma num hábito – o nosso cérebro organiza esta atividade através de conexões neuronais específicas, e uma vez estabelecidas/amaciadas, permitem que a ação de dirigir ocorra quase que de forma automática.
As pesquisas e estudos deste mesmo autor, sugerem a existência de um ciclo(loop) para a criação e manutenção de um hábito, que contém, a deixa/gatilho, a rotina/ação, a recompensa/efeito da ação. Vejamos mais detalhadamente:
A deixa: também definido como “gatilho”. Por exemplo: no caso do fumo, a deixa é o maço de cigarro. Quando visualizamos o maço o cérebro antecipa o prazer e aciona a rotina.
A rotina: é o hábito em ação. Neste caso, o ato de fumar e receber a dose de nicotina.
A recompensa: é o ganho imediato que a rotina proporciona. No exemplo do fumo, é a sensação provocada pela nicotina. A recompensa basicamente é o prazer imediato causado pelo hábito e que fecha e retroalimenta o ciclo (loop) do hábito.
Por que é tão difícil largar um vício?
O vício virou um hábito que traz como recompensa, descargas químicas muito fortes de dopamina, que causam prazer e satisfação química imediata em nosso cérebro. Este ciclo se intensifica especialmente quando o vício é uma estratégia para compensar desprazer, angústia ou ansiedade. Desta forma, ao se tentar deixar o vício, mudando os hábitos, no início quando vem o sentimento de desprazer/angústia (perigo) o cérebro produzirá cortisol (hormônio do desprazer e alerta), e se vemos o maço “dando sopa” fumamos um cigarro para irrigar de dopamina o cérebro (dinâmica do prazer versus desprazer). Este ciclo se aplica a muitas dimensões da vida, sempre que vem alguma sensação de ameaça, mau pressentimento, quimicamente o cortisol é liberado no cérebro, para nos deixar alertas e nos mover para deter a ameaça, é aí que caímos na tentação de pegar aquela barrinha de chocolate na gaveta e dar ao cérebro um choque de prazer – comportamentos que repetidos, se tornam hábitos duros de serem vencidos.
Afinal, como mudar um hábito?
Para vencer esta dinâmica, é necessário estar muito convicto da mudança que se quer e adotar estratégias adequadas, começando por eliminar os gatilhos/deixas do hábito ou vício.
Mudanças importantes em nossa vida, para acontecerem, precisam de mais do que serem apenas desejadas. Porque a mudança, é sempre mudança de hábito, de algo estabelecido na nossa rotina. E mudança de hábito requer sentido, estratégia, longo prazo, tudo isso conectado e fundamentado em um propósito de vida que dá um sentido maior. Segundo Breuning (2020), “a dor imediata de resistir a um velho hábito facilita a forma do novo hábito, e é alcançável em quarenta e cinco dias, se todos os dias repetirmos um novo pensamento ou comportamento sem falhar.” Por isso, não tentemos mudar tudo ao mesmo tempo, porque ficaria pesado demais, mas gradativamente por ordem prioritária vai se implementando um após o outro.
Portanto, para sermos mais resilientes, mais produtivos e mais felizes, precisamos aprender a desenvolver e manter os hábitos alinhados com estes objetivos. Este é o processo de nos transformarmos em senhores na nossa própria história e sem dúvida, deixará a nossa existência mais leve e cheia de sentido na medida em que formos evoluindo e nos sentirmos cada vez mais orgulhosos e dignos daquilo que estamos construindo. Pense um pouco, não há nada mais gratificante do que a realização de um sonho, e a realização dos nossos sonhos passa diretamente pela adoção dos hábitos corretos. Não espere mais, pague o preço imediato de transformar os seus hábitos, tire os seus sonhos do papel e tenha uma vida chamada de minha vida!
Sucesso na sua jornada e conte conosco.
Referências
BREUNING, Loretta Graziano. Los hábitos de un cerebro feliz. Traducción de Joana Delgado. 4ª edición – Barcelona – España: ediciones Obelisco, 2020.
DUIGG, Charles. O poder do hábito. Tradução de Rafael Mantovani. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
📷 Girl Reading | Stepan Bakalovich (Polish, 1857 – 1947) | Imagem reprodução