O papel do gestor na solução de conflitos

7 de setembro de 2020

“O equilíbrio necessário para se manter um ser vivo funcional muda continuamente, precisando de pequenos ajustes o tempo todo.” (MARINOFF, 2020)

Quantas relações conjugais, de amizade, entre pais de filhos, com vizinhos, para citar algumas, acabam sem um final feliz por conta de mil e um nadas? De pingo em pingo o copo se enche, até transbordar.

A psicologia ensina que deixar pra lá, reprimir e negar em excesso, quando menos se espera, vem tudo de uma vez e com força, escapa dentre os dedos, sai do controle. Como um carro que não se faz a manutenção e funde o motor, é custoso consertar. Neste sentido, propomos hoje a pensar como esta dinâmica se aplica às relações de trabalho e que desdobramentos possíveis podem existir de acordo com as abordagens adotadas pela gestão.

Subjaz às relações de trabalho, a dinâmica de necessidades e demandas das partes, numa visão mais tradicional, a relação capital versus trabalho – segundo a teoria de Karl Marx, é conflituosa em sua natureza. AYLOTT (2018) destaca, porém, que apesar desta relação ser conflituosa e muitas vezes até antagônica – no geral o empregador visa maiores lucros com menor custo e o trabalhador visa o maior salário possível para o seu trabalho – é necessário ir além, transformar a dinâmica desta relação de forma positiva, por meio do diálogo e gestão das demandas e necessidades. O gestor apoiado pelo RH tem o papel central nesse trabalho, vejamos.

O gestor pode atuar no dia a dia junto ao colaborador através da escuta ativa, para entender as demandas/necessidades apresentadas, em seguida analisar cuidadosamente a demanda, se necessário, com o suporte do RH, para finalmente dar feedback/devolutiva.

A captação das questões do dia a dia pode ser feita através de conversas individuais (face a face), rodas de conversa, “all hands”, pesquisas, para citar alguns. Quando a demanda/necessidade for legítima, é recomendado que seja resolvida o mais rápido possível, e se não for legítima ou não possível de resolver, é necessário dar negativa, de forma transparente, sempre com a sua justificativa.

A experiência mostra que o simples fato da atitude de escuta genuína e feedback transparente costuma pacificar a relação, por respeitar a alteridade do outro, ainda que a resposta seja não. Em geral, dizer não em nossa cultura pode ser sinônimo de desconforto, mas podemos aprender com URY (2007) quando destaca a importância da escuta como ato de respeito e passo fundamental na construção do não positivo. Assim, ouvir o colaborador não necessariamente implica em ceder à sua demanda, mas significa dar a ele uma atenção positiva, reconhecê-lo como outro ser humano, atitude que abrirá as portas para que o “não” seja assimilado. O líder ocupa o espaço, dando importância às questões dos empregados de forma respeitosa e inclusiva, preparando assim o terreno em que o engajamento que tanto se busca é cultivado.

Uma vez que o espaço da relação de trabalho não for ocupado pelo gestor é provável que os assuntos não resolvidos sejam redirecionados para outros atores e, cedo ou tarde, o conflito se instale. Assim, o que no início era demanda real, pode caminhar para o patamar de conflito e adquirir causa psicológica. Aí sim, bem mais difícil tratar, pois a negligência e rejeição podem gerar um senso poderoso de injustiça e degradar a relação de trabalho.

“O tratamento injusto, quando passa despercebido ou ficar impune, causa a exploração – seguido de ressentimento e o rompimento total do relacionamento.” (SHELL, 2001)

Demandas e conflitos não resolvidos na esfera gestor/gerido geralmente se transformam em processos trabalhistas (o gestor não escuta, o Juiz escuta), conflitos sindicais (gestor não resolve, o sindicato resolve), reprovação da proposta de acordo da empresa (dou o troco através do voto), demissões (me demiti do meu chefe), denúncias nos órgão públicos como o Ministério Público do Trabalho (gestor não resolveu, o TAC resolve), denúncias na mídia, absenteísmo ou presenteísmo, sabotagens, diminuição do ritmo de trabalho e produtividade ou até a greve – o motor fundiu. O triste é que o funcionamento “meia boca” ou “motor fundido” gera prejuízos financeiros enormes, infelicidade dos envolvidos e, em última análise, é incoerente com o papel social de uma organização, comprometendo a sua estratégia e sustentabilidade de longo prazo.

Portanto, pequenos nadas não tratados adequadamente nas relações do trabalho podem se transformar num pesadelo e o nosso desafio é atuar proativamente, perceber esse processo e desconstruí-lo antes que seja tarde. Assim como nas relações consumo onde se percebe a crescente demanda por atendimento personalizado, também nas relações do trabalho queremos ser tratados com individualidade, e o gestor precisa estar preparado para ser presença e referência neste modelo.

Atuar preventiva e proativamente, significa fazer a manutenção e não deixar o motor fundir, transformar os “pequenos nadas” do dia a dia oportunidades de melhoria contínua e, através da atenção, escuta e tratativa transparente e genuína tornar as relações mais profundas, autênticas e duradouras.

Referências

📷 Sentimental Conversation (early 1660s) | Quirijn Van Brekelenkam (Dutch, 1622-1669) | Imagem reprodução